Capítulo 1 - Luz da Lua

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	Meus passos ecoaram pelo quarto conforme eu andava em direção à varanda

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Meus passos ecoaram pelo quarto conforme eu andava em direção à varanda. Nenhuma luz tinha sido acesa por ordens minhas. Com um simples gesto, tinha impedido que minha assistente deixasse quebrarem a fraca escuridão, desafiada constantemente pela luz dos outros prédios à nossa volta.

Mas era disso que eu gostava. De escolher a penumbra, dos poucos minutos que conseguia ter em silêncio. Sabia que a qualquer instante meus vestidos chegariam e eu teria que prová-los. Sabia que estava prestes a ouvir alguém roubar aquele momento de mim e que logo começaria a me perguntar se era mesmo possível ter um pouco de calma de vez em quando.

Por isso, até que eu já não pudesse evitar, ficaria ali. Apoiada contra a grade de vidro, meus olhos presos no Empire State, meus ouvidos ignorando qualquer barulho inútil às minhas costas.

Me deixei respirar fundo, contando as luzes da cidade como se fossem estrelas. E sorri.

Foi com o canto do olho que percebi Caden ali, logo atrás de mim, mãos à sua frente, tentando se fazer ser o menos notado possível.

Não fazia muito tempo desde que tinha começado a trabalhar para mim, mas agora eu fico pensando em tudo que já aconteceu comigo com ele por perto, se deixei passar algum momento precioso do qual nunca conseguirei me lembrar agora. Quantos dias eu já não tinha tido com ele sem perceber que estava logo ali, sem realmente olhar para ele?

Me viro na cama, encarando agora a parede, mas de olhos fechados. Quero relembrar cada detalhe que pudesse daquela noite, de como me senti algumas horas atrás, do que quase aconteceu.

Não sei o que me deu. Não sei porque, depois de tantas semanas como meu guarda-costas, eu senti a inclinação de falar com ele de verdade. Podia ser só o momento ou uma crueldade do destino, mas, naquela hora, respirei fundo outra vez, voltando a olhar para a vista de tirar o fôlego e me deixando sentir a brisa gelada que passava por estarmos tão alto.

"Muita gente me pergunta minha parte favorita," falei, sem saber exatamente se ele estava me ouvindo, "de ser famosa." Ele não sabia, mas aquela palavra exigia um pouco mais de coragem de mim do que deveria.

Eu sou famosa. Sou inegavelmente famosa, não importa o que me fez assim. Mas ainda me parecia prepotente demais admitir algo assim, usar essa palavra.

Ela até tinha me feito parar de falar, parar de me abrir. Se ele continuasse em silêncio, eu teria engolido minha introspecção e fingido que aquilo nunca teria acontecido. Ou teria olhado para ele como se ele fosse invisível, como deveria ser para mim.

Mas ele pareceu querer aquela conversa também, ainda que não devesse ter ideia de aonde eu queria chegar.

"E qual é sua parte favorita?" Sua voz era rouca e carregada de um sotaque um tanto pesado de quem tinha crescido em uma cidade bem pequena ou uma fazenda no interior dos Estados Unidos.

Era terrivelmente interessante, mesmo que não fosse relevante para o momento, só pelo contraste com seu estilo, que eu podia perceber ainda que usasse o terno ajustado que exijo de meus funcionários.

Só de pensar nas suas tatuagens aparecendo pelas mangas da camisa, me contorço na cama, agarrando o outro travesseiro como se fosse ele. Como eu posso nunca ter percebido? Como posso nunca ter olhado direito para ele?

Naquela hora, antes que lhe respondesse, o senti se aproximando de mim. Um passo, talvez dois, mas o suficiente para conseguir ver onde estava sem ter que olhar propriamente para ele. Mais perto do que ele já tinha chegado, do que eu já tinha lhe dado liberdade de ficar.

"Isso," falei, me forçando a prestar atenção no que via e não pensar no desconforto sorrateiro que sua presença começava a me causar. "Conseguir pagar pelo quarto mais alto, pela vista mais bonita, na cidade que eu quiser."

"Então," ele começou, e tive a impressão de que podia sentir seu sorriso em suas palavras, "sua parte favorita é o dinheiro?"

Me virei para ele na hora, inconformada com sua petulância, só para ver que ele ria de minha reação. Tive que revirar os olhos, bufando o ar que aparentemente segurava e me faltava. E então, quase como se me desse por vencida, me virei outra vez na direção do Empire State.

"Minha parte favorita é o que eu faço com ele," respondi.

Vi Caden abaixando a cabeça, como se assentisse, e se desfazendo de pouco a pouco de sua postura profissional.

"E a sua?" Perguntei, antes que me desse conta do que exatamente eu queria dizer.

Ele também pareceu ficar um pouco confuso.

"Minha parte favorita de não ser famoso?" Quis entender, bufando rapidamente uma risada.

Me virei um pouco para ele, percebendo pela primeira vez que ele tem olhos verdes, tão claros quanto o mar quando comparados à sua pele morena.

Não tenho ideia de quantas vezes já tinha olhado para ele, mas aquela era a primeira em que o vi de verdade. Senti como se tivesse acabado de conhecê-lo, o que me desconcertou um pouco, me fazendo passar vários segundos, senão minutos, em silêncio.

Deu para ver que ele também percebia que algo estava diferente, seus olhos incríveis passando por todo meu rosto, toda minha expressão. E então, voltando à realidade, vi que estava um pouco perto demais dele. Virei de volta para a frente, torcendo para que toda a distância que tinha entre aquela varanda e o próximo prédio de Manhattan fosse o suficiente para me lembrar de como se respirava.

Ainda agora, deitada em minha cama, preciso me forçar a inspirar para sentir qualquer ar dentro de mim. É como se ele estivesse logo ali, a um centímetro do meu pescoço, fazendo minha pele arrepiar com sua respiração. Como se eu não estivesse sozinha no meu quarto, passando as mãos pelos meus braços, em cada lugar que eu queria que ele tocasse.

"Qual sua parte favorita de poder me acompanhar," corrigi, usando as palavras para me distrair.

Pude ouvi-lo respirando fundo, sem me responder. Mantive meus olhos nas luzes da cidade, tão concentrada que os cantos ameaçavam lacrimejar. Ele se aproximou de novo de mim, sorrateiro e distraído, virado também para a vista. E então segurou a grade também, sua mão perto o suficiente para encostar na minha.

Abaixei meu rosto na hora, sem conseguir entender se aquilo me deixava desconfortável porque eu queria que ele se afastasse ou porque não queria. Quando me virei para ele, quando ele mirou seus olhos nos meus e eu segurei minha respiração, incapaz de decifrar aquele momento ou reagir, as luzes se acenderam.

Me viro outra vez para me deitar de costas, chutando a cama como se o movimento fosse magicamente me fazer voltar no tempo e impedir que Samantha atrapalhasse. Ou, pelo menos, fazer essa vontade absurda que sinto agora de ficar com ele desaparecer.

Amanhã é o dia mais importante da minha vida - vulgo, carreira, - e eu só consigo pensar nele. Só consigo pensar no jeito que olhou para mim, como quem não precisasse responder, mas quisesse que eu lesse seus pensamentos, entendesse o que ele queria. Eu devia estar preocupada com o clipe, assisti-lo outra vez para ter certeza de que não tem nada nele que vá me fazer virar motivo de piada depois. Preciso pelo menos lembrar de pensar no meu CD, que vai provar se eu consigo ou não ter uma carreira solo. Mas todo o nervosismo que corre pelo meu corpo como um raio é só por causa dele.

Só por causa daquele momento, por todas as coisas que acabei de descobrir que eu quero, quero tanto que mal consigo respirar. Só pelo que poderia ter sido e agora nunca vou saber como seria.

E pela ansiedade de que terei que o ver de novo amanhã.

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