O Acaso

4

Acordei bem cedo hoje, ou melhor quase não dormi. Estou terminando de arrumar algumas coisas pra levar pro hospital pra minha mãe.
– Harry ? — Ouço me chamarem, mas antes de eu ir até a porta, sei que é o Ryan, e que no minimo ele ja entrou em casa.
– Aqui na cozinha — Grito.
– Eai, o que vai fazer hoje ? — Ele debruça na mureta do lado oposto da cozinha.
– To indo pro hospital — Minha voz se retrai um pouco na ultima palavra. Termino de fechar o ziper da bolsa, e me sento na cadeira.
– Hospital ? — A voz dele sai estridente e alta, que eu até fecho os olhos.
– A minha mãe passo mal ontem, quando eu cheguei aqui ela tava desmaiada, ai levei ela pro hospital, mas ela ja ta bem, o médico disse que foi só uma virose. — Meus olhos acompanham seu rosto se contorcer e se aliviar.
– Por quê não me ligo ? — Ele se larga em cima da banqueta e debruça em cima da mureta.
– Não pensei direito na hora, vamos pra lá comigo ? Ela vai gostar de te ver. — Me levanto da cadeira e passo a alça da bolsa no ombro.
– Vamos — Ela salta da baqueta e sai primeiro que eu da casa.
Fecho a porta atras de mim e passo a chave.
– Como estão os preparativos pra você ir pra audição ? — Ryan pergunta assim que eu entro no carro.
– Hã..eu..na verdade nem sei como vou, porque a minha mãe usa o carro pra trabalhar, e eu não sei se ela vai comigo. — Meio que dou de ombros.
– Ah. — ele diz.
O resto do trajeto é feito em silencio. Milhões de coisas passam na minha cabeça, e isso me da muita dor de cabeça.
Encosto o carro numa vaga bem na frente do hospital, apanho a bolsa com comida e roupas, e vou em direção a recepção.
– Vim ver minha mãe — Digo a recepcionista, que não para de me olhar e sorrir.
– Ela está no quarto 37, no fim do corredor. — Ela sorri e cora levemente.
Saio andando sem nem agradecer. Em vez de andar eu praticamente corro até o quarto, e percebo que o Ryan ta me achando um maluco por fazer isso.
– Sabe, sua mãe não vai sair correndo do quarto. — Sinto que ele está bufando atras de mim, lutando pra respirar direito.
Não me dou ao trabalho de responder, apenas dou uma revirada nos olhos e continuo a andar.
– Mãe ? — Chamo por ela assim que abro a porta do quarto.
– Oi querido. — Ouço sua voz de algum ponto do quarto.
– Cade você ? — Ela não está na cama, e nem e nenhuma outra parte do quarto.
– No banheiro.
Me sento na poltrona, e Ryan senta ao meu lado, so que no chão. Ela sai do banheiro e vem andando em direção a cama, ela parece melhor, seu rosto esta levemente corado, e seus musculos parecem mais fortes agora.
– Você ta melhor tia ? — Ryan pergunta antes mesmo que eu possa abrir a boca. — Seu filho tava dando uma de louco, do jeito como ele falava, parecia até que você ia morrer — Ele ri.
– Nossa...Ryan, cala a boca por favor — Digo com raiva.
– Exagero dele Ryan, eu so peguei uma virose forte, mais ja estou melhor, so preciso comprar alguns remedios. — Ela diz suavemente.
– Remedios ? Pra que remedios ? — Arregalo os olhos e minha voz sai estridente.
– Deixa de ser paranoico menino. Preciso de remédios porque ainda não me recuperei cem por cento. Deixa de ser babaca. — Ela revira os olhos e pega a bolsa da minha mão.
– Podia ter pedido a bolsa em vez de tomar da minha mão. — Reclamo e reviro os olhos.
Ryan tenta abafar uma risadinha, mais acaba falhando miseravelmente.
– Ta rindo por que idiota ? — Pergunto e dou um tapa na cabeça dele.
– Ei, minha cabeça — Ele para de rir e passa a mão na cabeça. — É muito exagero esse drama todo que você faz Harry, sua mãe ta bem, olha pra ela. — Ele balança a cabeça e ri outra vez.
Minha mãe nos olha e da um risinho.
– Me diz que não foi você que fez esse bolo de chocolate Harry. — Minha mãe pega um potinho redondo, com um bolo que fiz ontem a noite e faz cara feia.
– Não reclama não, ta uma delicia, fiz ontem — Digo todo orgulhoso de mim mesmo.
Ela enfia o garfo no bolo e tira um pedaço pequeno, e coloca na boca.
– Hm...é...ta bom. — Ela mastiga e mantem o rosto neutro, mas se segura para não rir. — Mais sabe vou comer esse sanduiche, porque quero algo salgado. — Ela tampa o bolo e apanha o sanduiche de pate que eu fiz.
– Me da esse bolo então — Ryan pega o bolo de cima da cama tão rapido que mal da tempo de protestar.
Ele morde o bolo e faz uma cara horrivel.
– Puta que pariu Harry. Que merda de bolo é esse ? Que horror. — Ele reclama tampando o bolo e fazendo caretas engraçadas.
– A cala a boca, minha mãe disse que gosto então pronto. Não é mãe ? — Olho pra ela, esperando uma resposta ansioso.
– Me desculpa querido, mas ta horrivel — Ela encolhe os ombros e da uma gargalhada.
Fico ali observando os dois rirem da minha cara, ou melhor, do meu bolo ruim.
– Ah então faça um melhor você então — Fecho a cara num meio sorriso e encosto na poltrona.
– Você já está libera. — O doutorzinho mal encarado entra na sala sem ao menos bater.
– Bater na porta antes de entrar é sinal de educação. — Digo num tom de desprezo.
– Harry ! — Minha mãe me repreende. Olho e pra ela e dou de ombros.
– Já que você ja foi liberada, vamos embora. — Fico em pé e olho de relance pro Ryan e aceno com a cabeça para que ele fique em pé.
– Certo querido, vamos. Obrigada Luis — Ela da um sorriso meigo e sai do quarto.
Passo pelo doutorzinho mal encarado e encaro ele antea de sair.
– Não precisava falar daquele jeito Harry — Ela me repreende e segura meu braço, me forçando a parar no meio do corredor.
– Não fui com a cara dele, ele é um idiota ! — Me viro para ficar de frente com ela, e percebo no rosto dela uma pontada de desapontento, só não sei porque.
– Ele é um otimo médico ! — Ela diz abertamente.
– Não me importa se é um otimo médico ou não. Não gosto dele e pronto. — Me viro e volto a andar pelo corredor lotado.
– Não precisava falar assim com a sua mãe Harry — Ryan sussura pra mim.
– Não falei nada demais, só falei que não gosto daquele inutil do médico. — Digo calmamente.
Andamos em silencio até o carro, num silencio agradavel, aparentemente.
– Mãe, quer levar o carro ou eu levo ? — Pergunto quando nos aproximamos do carro.
– Voce leva querido — Sua voz esta tranquila, diferente de minutos atras.
– Mãe, você vai na audição comigo ? — Pergunto dando partida no carro.
– Não vou filho, vou trabalhar no dia da sua audição, até tentei pedir folga, mais não consegui. Mas você pode ir com o carro. — Seus olhos me suplicam uma desculpa não dita, mas eu entendo que ela precise trabalhar.
– Certo — Minha voz sai com um pouco de desapontamento, que eu tentei segurar.
– Você vai com ele Ryan ? — Ela olha pro banco traseiro.
– Vou tia. — Percebo pelo retrovisor que ele sorri de orelha a orelha.
– Ah mãe, posso fazer outra tatuagem ? — Pergunto repentinamente.
– Outra Harry ? As que você ja tem não bastam ? — Ela revira os olhos e meio que me repreende.
– Achei um navio muito legal na internet, e eu queria fazer. — Digo num tom de suplica, por que sei que vou conseguir fazer com que ela autorize.
– Vou pensar no seu caso ! — Ela tenta segurar um riso, mas eu consigo ver antes de ela virar a cabeça.
– Quando você for fazer, me avisa, vou com você pra fazer uma tambem. — Ryan comenta atras de mim.
– Uhum — Murmuro.
Chegamos em casa, e a primeira coisa que minha mãe faz, é jogar meu bolo fora.
– Por que você fez isso ? — Pergunto incrédulo.
– Porque isso ta horrivel — Ela fala aos risos.
– Nunca mais vou fazer bolo pra você. — Digo bravo e vou ao banheiro tomar um banho.
– Vou fazer outro bolo de chocolate — Ela grita da cozinha quando entro no banheiro.
Meu humor mudou completamente, e só agora, no banho, os problemas do programa passam na minha cabeça. O que vou cantar ? É a primeira coisa que eu penso. Uma lista de musicas se formam na minha cabeça, mas nenhuma parece ser boa o suficiente. Afasto qualquer pensamento e me concentro no banho.
– Morreu ai ? — Ryan esmurra a porta do lado de fora.
– Ja vou sair. — Grito impaciente.
– Faz 15 minutos que você ta ai, eu preciso mija Harry, só tem um banheiro aqui. — Ele esmurra ainda mais a porta.
Não me dou ao trabalho de responder, desligo o chuveiro e enrolo a toalha na cintura. Quando abro a porta a cena na minha frente é muito engraçada. Ryan está com as duas mãos no meio das pernas e pulando de uma perna em outra, parecendo uma criança. Não consigo me segurar e começo a rir descontroladamente.
– Idiota, sai da frente — Ele geme e me empurra, mas como sempre  ele não deixa minhas risadas impunes, ele bate a mão na minha cintura e derruba a toalha que estava enrolada na minha cintura.
– Filho da pu... — O som da porta batento encobre o resto das minhas palavras, pego a toalha de novo e passo pela cintura, e vou pro quarto dando risada.
Nem me ao trabalho de me secar direito, só pego uma cueca e uma bermuda e visto, o dia está um pouco abafado, então fico sem camisa mesmo.
– Ta pronto o bolo ? — Pergunto entrando na cozinha.
– Ainda não apressado. — Ela está lavando a louça quando sento na mesa.
Ficamos conversando até o bolo ficar pronto, falamos de tudo um pouco, do programa, do trabalho da minha mãe, da irmã do Ryan, do cara que minha mãe ta saindo. La pelo fim da tarde o Ryan vai embora, e minha mãe começa a se arrumar pra ir trabalhar, ela disse que esta melhor pra voltar a trabalhar, e que não faz sentido ficar em casa sendo que ela ja ta bem. Prefiro não discutir, e deixar ela fazer como quer.
Os dois dias seguintes passam tranquilos, as ultimas provas na escola, minha mãe ja se recuperou, eu e o Ryan escolhendo uma musica pro programa, meninas vindo falar comigo na escola.
– Ryan, recebi uma mensagem do programa, eles disseram que quem passar nessa primeira audição, vai ficar num quarto de hotel, com acompanhante, pago por eles. — Comento com ele, enquanto estamos preparando um sanduiche na terça feira a tarde.
– Que horas você vai ir pra la ? — Ele pergunta.
– Pensei em sair daqui amanha, umas seis horas da manhã, é uns quarenta minutos daqui até la pela estrada. — Digo.
– Eu durmo aqui, ou você passa em casa amanha cedo ? — Ele senta na cadeira enquanto espera eu terminar o suco.
– Tanto faz, mas acho melhor se você ficar aqui.
Ele acena com a cabeça e passamos o resto do dia jogando video game, e ainda escolhendo uma musica.
– Ei acorda. — Cutuco o Ryan, que está roncando feito porco do lado da minha cama.
– Hmm — Ele resmunga e vira a cara pro outro lado.
– Se você não levantar, vou sem você. — Aviso e saio da cama pra me arrumar.
Ainda é bem cedo e minha mãe nem chegou do hospital. Me arrumo meio rapido, e vou pra cozinha tomar café.
– Bom dia querido. — Minha mãe entra na sala e vem direto me abraçar.
– Bom dia mãe — Respondo sorrindo.
– Nervoso ? — Ela pergunta se servindo de café.
– Um pouco — Não vou negar que a todo instante sinto meu estomago revirar, a ponto de quase me fazer vomitar.
– Bom dia. — Ryan entra na cozinha ja arrumado, mais com o cabelo uma bagunça.
– Certo, vou tomar um banho e dormir, vou assistir sua audição na TV, cuidado na estrada querido. — Ela joga as chaves pra mim, e some no corredor.
– Ja pegou tudo ? — Pergunto.
Ele faz um aceno de cabeça indicando que sim.
Pego a bolsa com roupas e mais algumas coisas e vou pro carro. Não sei se vou passar da primeira audição, mas se eu passar, pelo menos ja tenho tudo o que preciso.
Entramos no carro e pegamos a estrada. Leva 40 minutos daqui até o centro de Londres pela estrada, pela cidade demora ainda mais.
A viagem corre tranquila, discutimos sobre qual musica cantar, cantamos com as musicas alto dentro do carro, ate assustamos uma menina que estava na estrada.
– Vai demora ? — Ele abaixa o volume do som, e se estica no banco.
– Mais uns dez minutos. — Respondo.
Vou chegar super cedo la, mas não faz mal já que não decidi que musica vou cantar, talvez eu escolha uma quando tiver no palco pronto para cantar.