Convergindo (Em Construção)

Presságio

Eu me movia silenciosamente sob a penumbra da alvorada. Tomei banho, me vesti e após um gole de café ... eu estava pronto. Girei a chave na fechadura e sai do apartamento rumo a minha jornada diária. O relógio do saguão marcavam 15 minutos para as 4 da manhã. 

As lembranças da noite anterior ainda rondavam minha mente...

Quando cheguei em casa minha mãe estava lá, esticada na poltrona com uma garrafa de vinho na mão esquerda. Meneei a cabeça... a gente sempre apela para algo que nos traga alívio imediato.

Tomei-lhe a garrafa e a abracei. Ela se desmanchou recostada em meu peito. Nessas horas era eu que pagava de adulto. Pensando bem... idade é só um número, um rótulo... a gente sente a maturidade nos dominando em qualquer época da vida.

- Bom dia Fernando, rs!

- Bom dia, rs.

Como de praxe seu Pedro me cumprimentou quando passei pela portaria. Aquele senhor era uma ótima pessoa e não digo isso porque ele ajudou a me socorrer quando eu estava todo fodido jogado em um beco frio e escuro. Ele sempre estava na guarita... a educação e a discrição em pessoa. As linhas de expressão em sua testa lhe conferiam o ar jovial de um vovô, mas sua disposição física deixava para trás muito adolescente. É engraçado, não sei de onde essas pessoas pertencentes à geração passada tiram tanto vigor...

Caminhei sob o céu violeta em direção à estação. À medida que eu me aproximava do centro ia percebendo a quantidade de pessoas que madrugam, alguns para pegar um transporte e mesmo os que tem seu próprio meio de locomoção já estavam aqui e acolá presos em um congestionamento. Se dá bem quem é mais esperto... mas ninguém parece perceber que todos querem se dar bem... ao mesmo tempo. Dobrei à esquerda e logo vi a entrada da estação, desci as escadas e passei pela catraca... em breve eu teria que renovar meu vale-transporte. 

As portas se abriram e entrei na minhoca metálica. Sentei em um banco qualquer e esperei o resto das pessoas entrarem e finalmente seguirmos viagem. Após alguns minutos alguém sentou-se próximo a mim, ele trazia uma caixa de som com um pen drive conectado, estava usando um boné com a aba para trás e roupas folgadas... pela sua estatura supus que tinha em torno de uns 16 anos. Ele estava ouvindo uma espécie de Hip Hop misturado com... não sei bem definir o que era... só que dava uma certa lembrança daqueles fundos sonoros de filmes de faroeste. Particularmente achei uma mistura bem louca. Prestei atenção nos versos que se fundiam ao barulho do atrito do metal sobre os trilhos.

"...I'm useless, but not for long... The future is coming on..." 

"...Eu sou inútil, mas não por muito tempo...O futuro está chegando..."  

Pela primeira vez ele pareceu ter me notado ali e olhou para mim. Fiquei surpreso ao analisar seus traços, não era um garoto... era uma garota. A forma como ela se vestia e andava conseguiam confundir qualquer um.

"...I see destruction and demise, corruption in disguise..."

"...Eu vejo destruição e decadência, a corrupção disfarçada..."

Após alguns segundos a encarando eu desviei o olhar, no fundo ela era até bem bonita... 

Ficar encarando por muito tempo uma pessoa às vezes não é uma boa idéia. É um modo primitivo de comunicação. Uma tentativa de fazer o outro recuar ou demonstrar algum tipo de desejo... Nós somos animais estranhos, com pensamentos reprimidos.

"...You perceive with your mind, that's the inner..."

"...Você percebe com sua mente, é o interior..."

É irônico... a psicologia tenta de tudo para determinar porque somos o que somos, porquê nossa mente é assim... digo, por mais satisfeitos que estejamos... lá no fundo ainda há um vazio a ser preenchido... Algumas pessoas não entendem o porquê temos que ficar tristes, porquê temos que ter problemas... Seriam uma maravilha se tudo fosse mais fácil... sem dor, sem preocupações, sem medo... Infelizmente não dá pra ficar chapado 24 hrs por dia. Alienado da realidade, apenas flutuando... A vida é isso, crescer é isso, significa que você consegue aguentar um peso maior sobre seus ombros.