Com os lábios secos abertos, olhava catatônico a parede da pequena caverna. Não buscava nada naquela superfície, apenas repousava sua visão naquela direção, tal fosse uma estátua abandonada. Não trazia ansiedade no olhar, mas um desespero absurdo que era reprimido pela mente. A respiração debilitada chiava, fruto da longa vivência ao meio de carvão e fuligem em sua jovem vida. Os grilhões estavam arrebentados, porém, as grossas argolas do pescoço, pulsos e tornozelos continuavam presas mesmo sem nada o prender. E sobre sua carne, o peso desses metais era bem familiar...
Familiar até demais.
— Qual a razão de teu silêncio, Seki?
Seu peito disparou em susto. O jovem de cabeça raspada girou a face para os lados sentindo o pescoço dolorido. Não havia ninguém ali naquela cavidade rochosa que ele se escondia.
— Os mestres não me deram o direito de falar — respondeu rouco e cansado para si mesmo, imaginando estar beirando a loucura. — E porque não há ninguém para conversar. — Suas mãos calejadas começaram a tremer. — Porque ninguém sobreviveu.
Onde a túnica arruinada não lhe cobria, a pele vermelha se demonstrava repleta de queimaduras de barras aquecidas e cicatrizes de açoites. Eram marcas de tamanhos e idades distintas, cada uma com seu histórico; cada uma registrando uma falha que jamais poderia se repetir.
— Mas eu estou aqui.
— Onde? Onde você está? — perguntou nervoso arranhando o rosto com as unhas.
— Em sua mente.
A respiração intensificou. Os dedos apertaram contra o couro cabeludo com força. Seki se encolheu amedrontado temendo ser mais um truque de seus antigos donos.
— O que é você? — exigiu saber, soando entre o desespero e o ódio.
— Uma memória sem corpo. Simplesmente existo. Sou um sopro: o Sopro.
A voz vinha como se alguém estivesse atrás dele, sussurrando em um tom confiante, o que fazia sentido para Seki. Afinal, alguém que não possuía mais um corpo nada tinha a temer perante o mundo que conhecia.
— Sopro... — Seki parou de se encolher devagar, entendendo que esse seria o nome da voz, aceitando aquilo como insanidade.
— Seus mestre te calaram, mas, mesmo assim, não impediram que você aprendesse a falar.
— Eu falo... Eu falava com as outras pessoas quando os mestres não estavam por perto.
— E se eles te ouvissem? — O Sopro o instigou.
— Então os guardas nos torturavam. — Uma nova tremedeira percorreu o corpo de Seki.
— É por isso que estamos aqui agora?
— Não é culpa minha... — Vagou com os olhos de novo, entregando-se à melancolia. — Os mestres ordenaram para pararmos o trabalho. Os guardas nos tiraram das minas e onde começava o deserto, Rani estava presa em uma cruz.
— Os guardas a torturaram? — O Sopro questionou.
— Por muito tempo, — Esfregando as palmas no rosto, Seki engoliu em seco. — Fizeram todas nós assistir como exemplo. Disseram que ela se negou a trabalhar.
— Espero que ela tenha morrido rápido.
Seki cerrou os dentes sentindo muita raiva.
— Ela demorou para parar de gritar de dor, e... — Mais uma respiração com chiado —, e por isso todas rebelaram-se. Os guardas pisotearam e esmagaram com os punhos os outros. Minhas correntes me arrastaram na areia, me jogando de um lado para o outro até que se arrebentaram. Acharam que eu estava morto e fugi para dentro do deserto.
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Randômicos
CasualeTextos randômicos, entre contos e escritos que se provaram dignos de serem postados, podendo conter linguagem adulta e descrições explicitas. Ou não. De qualquer forma considere +18