Olhar pela janela, para o lado de fora, não poderia ser uma visão mais desoladora. Com nuvens cinzentas e obscuras, o dia estava sombrio e furioso.
De pouco em pouco tempo, trovões rugiam no céu, assustando os alunos e a professora de Culinária. As vezes, até eu mesma me assustava, precisando cobrir a boca para não arquejar alto demais. Sentar no meio da fileira da janela, naquela hora, era o pior erro de todos. Os respingos que entravam molhavam a mim e ao balcão, deixando ilesa apenas Thereza, que inclusive já estava ficando com as mangas molhadas (de tanto que se apoiava ali, esquecendo a atual condição). O silicone embaixo da janela estava rachado, o que ocasionava toda a infiltração em nossa mesa, mesmo com os vidros fechados. Grunhi pela décima vez, percebendo que havia acabado de ensopar a massa que estudávamos.
- Calma, Ale. Acho que, se nós... hã... - minha parceira tentava encontrar bons argumentos, olhando para meu trabalho fracassado, mas não conseguia. Acho que nem Leo teria o que dizer naquele momento.
- Tudo bem, Thez. Eu faço recuperação dessa aula algum dia. - murmurei, sacudindo meu braço ensopado. Para alguém doente, ficar tão molhada pioraria tudo. Tinha maus pressentimentos quanto àquilo.
- Hã... acho que é o melhor, mesmo... - falou, o queixo apoiado na mão pequena. Com toda a umidade, seus cabelos ruivos estavam um ninho. Por isso, os meus deviam estar vinte vezes pior.
Porém, nada se igualava a minha mente. Nem mesmo o caos do lado de fora se parecia com um terço de todos os pensamentos entalados em minha cabeça. Esquecer as palavras de Ônix, e principalmente o beijo que me dera, era algo simplesmente impossível. De repente, o sinal bateu, sinalizando o final de minha manhã.
- Bem, gente, espero que tenham aprendido os princípios básicos para se fazer uma boa massa de pizza caseira. Na próxima aula, quero que repitam tudo sem auxílio. - Senhora Hideki falou, observando-nos através da franja comprida. Seus cabelos escuros não eram naturais, o que se via pelo erro do tom de preto. Rubi provavelmente a processaria.
Os alunos ajuntaram seus materiais, suspiraram e seguiram para a porta.
Naquela manhã, nem Ônix nem Rubi passaram por ali. Um alívio para minha pessoa, que não sabia como reagir em sua presença.
- Senhorita Fragnello. - chamou Senhora Hideki, fazendo-me encará-la - espero melhor desenvolvimento seu na próxima aula. E um resultado melhor também. Ah... - parou, pela última vez - por favor, como amostra de gentileza, limpe seu próprio balcão.
Ela encarou minha massa murcha, olhou feio para mim e saiu, revirando os olhos e suspirando. Sentei pesadamente em minha cadeira, chateada. Poxa, a culpa não era minha se a janela estava gotejando.
- Ale, desculpa, de verdade, mas eu preciso ir! - Thez falou, encarando seu relógio - meu pai vai me matar se me atrasar de novo para a faculdade de veterinária!
- Tudo bem. - ela pegou sua mochila pequena e acenou, correndo para a porta - até logo!
- Até! - respondeu, já no corredor.
Tudo o que me restou foi parar e encarar tristemente a bagunça no balcão. Ótimo, teria que limpar tudo sozinha.
×××
Quando terminei, eu estava imunda, molhada, e cheirando a pão. Porém, a professora não teria do que reclamar, pois o balcão estava brilhando.
Empurrei o cabelo que caía em meu rosto com as costas da mão, sequei-me eu uma toalha que havia por ali, e peguei o livro que deixara em baixo da cadeira.
Então, sem relógio para observar que horas eram, suspirei, percebendo o quão mal me daria. Datha provavelmente me deixará sem comer por uma semana, e não um dia. Tristonha, saí da sala, andando pelos corredores escuros e frios da Academia. Os trovões continuavam a ressoar, sem sinais de trégua.
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Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)
Fantasía☆Sociedade Porcelana - Livro 1☆ "Pareciam bonecos em uma estante. Seus rostos, tão lindos, não tinham emoção alguma. Suas peles, tão brancas e sem marcas, pareciam porcelana. Seus olhos, tão multicoloridos, pareciam pingos de cor em uma tela vazia...