— Ouvi dizer que você se apaixonou — Melanie disse, me encarando como se pudesse identificar cada vacilo do meu olhar que indicasse incerteza. — Ou chegou perto disso.
— Não — neguei, certo das minhas palavras.
— Você mente mal — ela observou, cortando o pão francês e passando manteiga.
Melanie tinha uma expressão irritante no seu rosto. Os olhos duvidosos, o sorrisinho inocente como se tivesse vencido a discussão.
— Pelo menos eu não olho para os próprios tênis, como você faz — rebati.
— Está olhando para os meus pés agora mesmo.
— Melanie, me deixe em paz — eu pedi, pela quinta vez, com um tom de quem está implorando.
Estávamos sentados na bancada de madeira da cozinha, ela do lado de dentro, me servindo sempre com suco de maracujá.
Era mais final de tarde de sexta, o sol entrava pela janela e aquecia todo a sala, deixando tudo com um tom alaranjado. Eu sentia que já conhecia aquele lugar mesmo nunca estando ali antes. Era uma sensação boa.
— O que vem acontecendo no seu mundo? — ela perguntou, sorrindo pra mim com uma demonstração do seu melhor sorriso.
Melanie estava cada vez mais insistente naquele assunto. Havia feito e desfeito seu coque com o seu cabelo loiro umas cinco ou seis vezes apenas no tempo que estávamos ali, sentados e conversando – ou melhor, tentando – como bons amigos.
Eu sabia que se eu respondesse essa pergunta Melanie não me deixaria em paz por muito tempo. O ponto era: eu não tinha ideia do que estava acontecendo no meu mundo. Nos últimos dias minha cabeça tinha entrado num grande transe e tudo que eu pensava, não pensava com clareza. Aquilo acabava comigo.
— Ora essa, Matthew, achei que fossemos amigos.
— Nossa amizade acabou no seguinte momento em que você me deixou plantado no pub.
Melanie se calou e mudou de posição, fazendo e desfazendo mais uma vez se penteado improvisado. Ela havia corado, se lembrando do acontecimento de hoje cedo.
— Então saia da minha casa - ela disse com a voz firme, mas eu senti a ironia dentro de seu peito.
Eu era orgulhoso demais pra sair dali sem saber
— Caia fora dessa. Pra sempre não é pra todos, pra sempre é pra você? Querido, acorde. Ela te trata como um animal. Como pode ser tão cego?
Ela me olhou de novo. Quase pude identificar a chateação no olhar dela, mas vi raiva. Como se a qualquer momento fosse me agarrar e sacudir.
— Eu sei que em alguma parte aí dentro você sabe que se eu fosse junto aquele relógio na parede do freezer pararia de girar. A mulher gorda nunca mais pararia de cantar. Cara, você sabe — ela disse. — Algo me diz que eu estou falando isso tarde demais. Algo me diz que se um dia ela se apegasse seria pra sempre.
Eu tirei o casaco de couro e joguei na cadeira ao meu lado. Estava começando a suar frio. Com medo de onde aquela discussão chegaria.
— O problema é se você for pra sempre. O problema talvez seja esse. Você vai conseguir esquecer ela?
Essa era a pergunta que eu tinha feito pra mim mesmo diversas vezes, mas preferia não saber a resposta. Ela parecia dolorosa.
— Eu só espero que em alguma parte dentro desse peito de badboy saiba que eu estou e sempre estive aqui. Que eu fui a pessoa que te ajudou, ok? E eu estarei esperando que você saia dessa.
Tomei um gole do meu suco de maracujá. Ela completou os copos, esvaziando a jarra.
— O que quer dizer? — perguntei.
— Estarei aqui se precisar — ela falou, com um tom de quem está encerrando a conversa, enquanto lavava a jarra.
Alguma parte do meu cérebro conseguia imaginar essa cena da porta na minha casa. Ela se afastando lentamente e esse seria o ponto em que ela entra no carro e sai dirigindo até sua casa. Eu sentaria ali na porta e olharia para a rua deserta, me perguntando o que ela realmente estava querendo indicar. Mas naquele momento eu não poderia simplesmente sair por não ter mais para onde ir.
Me levantei e deitei no sofá. Meu copo de suco tinha ficado em cima do balcão, com um prato de panquecas intocadas.
Me lembro de pegar no sono refletindo sobre amores não correspondidos e a frequência em que eles acontecem.
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Quem Canta um Conto
Conto"Quem Canta um Conto" apresenta uma coletânea de pequenos contos inspirados em músicas de diferentes gêneros e cantores. Mas é aquele ditado, "quem um conto canta, seu males espanta".