O toque de um demônio

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Os passos delicados da princesa ecoavam no corredor do palácio. O amanhecer iniciava e os primeiros raios solares atravessavam as janelas iluminando o seu caminho. Aurora usava um vestido amarelo com camadas prateadas, um laço da mesma cor prendendo seu cabelo em um coque rígido juntamente com sua coroa favorita. Apesar do rosto angelical e aparência infantil, seus olhos demonstravam a determinação de uma futura rainha.

Suas mãos estavam suadas deixando indícios de nervosismo. Há pouco, sua criada lhe disse que seu pai gostaria de vê-la em seus aposentos o mais rápido possível. Aurora achou estranho, pois ele jamais a chamou para conversar no seu quarto, sempre preferiu chamá-la pessoalmente quando tinha algum assunto a tratar. Ela estava tão absorvida em seus pensamentos que sequer notou o quanto o corredor estava vazio.

Independente da hora, os guardas deveriam estar em seus postos guardando a segurança do rei, mas nenhum deles estava presente, muito menos em frente da porta do quarto de Philippe onde, agora, Aurora se encontrava. Colocando a mão no peito e respirando fundo, ela segurou a maçaneta e abriu a porta desfazendo-se do temor que sentia. "Papai?", chamou com firmeza, mas não obteve resposta.

Entrando um pouco mais para se aproximar da cama onde ele ainda estava deitado, ela o chamou outra vez. "Papai, estou aqui". Seus olhos se focaram nas cortinas que proporcionava apenas a sombra do corpo deitado de seu pai. Ela desviou o olhar quando sentiu seus pés pisando em algum objeto. Aurora olhou para o chão, franziu o cenho e abaixou para pegar a adaga ensanguentada. Um temor percorreu o seu corpo e suas mãos começaram a tremer. De quem era aquele sangue?

De forma cautelosa, temendo o que estaria prestes a ver, Aurora segurou a cortina de cetim e a puxou de uma vez revelando o seu pior pesadelo: o rei Philippe, seu pai, estava morto. "Não..." soltou dando passos para trás desacreditando naquela visão. Lágrimas começaram a cair incontrolavelmente, seu grito se perdeu e seus braços agarraram mais forte a adaga que ainda segurava enquanto uma dor insuportável tomava conta de seu coração.

"Uma bela visão não acha?" Aurora escutou uma voz distante, mas familiar. Não conseguiu se mexer e muito menos saber a quem pertencia tamanho era o choque do que estava presenciando. Sua mente, perturbada, perguntava-se quem poderia ter cometido tamanha crueldade, ao invés de notar que não estava mais sozinha. "Eu fiz questão de fazê-lo sofrer do começo ao final e, principalmente, saber quem dos seus fieis aliados o havia apunhalado pelas costas."

Com aquelas palavras, uma parte ainda sã de seu consciente fez com que ela movesse a cabeça vagarosamente na direção da voz, do assassino de seu pai. Seus olhos arregalaram perdendo todo o brilho ao ver o irmão do rei com um sorriso vitorioso nos lábios. Aurora não podia acreditar, ela não queria. Seu corpo cedeu devido ao peso imenso da revelação fazendo-a focar de joelhos no chão gélido ao lado do corpo de seu pai. Francis se aproximou de Aurora e sussurrou em seu ouvido.

"Eu matei o seu pai Aurora e vou tomar tudo que era dele." Ele passou os dedo nos lábios de Aurora. "Incluindo você, pequena princesa." Neste momento, Aurora cravou os dentes no dedo do infeliz e o arrancou com toda a força fazendo com que o sangue jorrasse ao mesmo tempo que um grito ecoou da boca de Francis. "Sua cretina!", xingou-a ao mesmo tempo que segurou seu dedo com força para estancar o sangramento.

"Guardas!" Aurora gritou ao sair correndo com o corpo arrastado. Ela precisava ser forte e impedir aquele homem e suas besteiras. Necessitava esquecer tudo que ele lhe ensinou, os seus concelhos e os momentos que a fez se distrair das obrigações. Francis era como um segundo pai para ela, aquele que sorria ao lado de seu pai e o ajudou a superar o luto da esposa. Mas Aurora precisava ignorar tudo que um dia ele havia sido para honrar a morte de seu pai.

No momento que ela saiu do quarto, um guarda apareceu pronto para atacar, mas parou de súbito ao ver a imagem a sua frente. A princesa estava repleta de sangue que não era seu, segurava uma adaga e, na cama, mesmo naquela distância, ele conseguiu ver o sangue escorrer na cama de seu rei e Francis, seu general, gemendo de agonia. Antes que Aurora pudesse pronunciar qualquer palavra, Francis gritou enfurecido.

"Prenda esta traidora. Ela matou o rei, Aurora matou seu próprio pai." Dake arregalou seus os olhos verdes com tamanha acusação, mas aos poucos começou a se recompor percebendo que toda aquela cena fazia sentido devido aquela frase. Aurora negou com a cabeça e andou para trás notando que o olhar do cavaleiro sagrado a sua frente não a escutaria mais. Aquele que jurou lealdade a coroa estava prestes a lhe prender.

"Dake, não!" Aurora gritou, mas sua ordem não foi concedida e, notando que ele estava prestes a agarrá-la, Aurora correu para longe desacreditando no pesadelo que estava presenciando. As lagrimas voltaram a escorrer mais forte embaçando sua visão. Ela sabia que não era hora para choradeira, mas não conseguia impedir. Aos poucos os guardas foram aparecendo em todas as direções cercando-a e fazendo-a parar de correr. Sem alternativa, Aurora correu para a janela jogando-se.

As lembranças apareceram como um flashback em sua mente. Dake cumprimentando-a todos os dias assim que aparecia no salão principal com sua armadura de ouro. Ele ajoelhando-se na frente de seu pai juntamente com os outros seis cavalheiros e sendo consagrado como cavalheiro sagrado, aqueles que valiam por mil soldados. Aurora perguntou a si mesma se seu pai havia vislumbrado toda a sua vida antes da morte e um sorriso idiota apareceu na sua fase, pois ela acreditava estar prestes a se juntar a ele.

O corpo de Aurora bateu forte na água levando-a cada vez mais fundo. O foço que ficava em volta de seu castelo agora seria seu túmulo. Aurora fechou os olhos deixando que sua vida fosse tirada aos poucos conforme seu ar acabava. Ela preferia acabar desta forma do que ao lado daquele que matou sua familia.

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⏰ Última atualização: Mar 01, 2017 ⏰

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