A Criatura

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O dia não nascera bonito e nem mesmo claro. A noite estava suficientemente fria para precisarmos de cobertores e a madrugada... vamos chegar lá. Eu me chamo Jeff e como sempre trouxe Peter e Rachel para me ajudarem com as tarefas e aproveitarem a estadia e comida por minha conta. Ambos tinham famílias liberais e, para falar a verdade, acho que os pais até gostavam de um momento de folga dos primogênitos rebeldes.

Estávamos cansados, como sempre, pois tivemos que cortar madeira novamente. Era uma das tarefas que meu pai pedia que fizéssemos para que, em troca, liberasse a casa de campo, onde poderíamos nos divertir um pouco. Não era algo difícil, mas exigia bastante do físico e esse consumo de energia geralmente resultava em jogos ou filmes durante a noite. Era quase uma rotina durante nossa estadia, mas o destino e as adversidades nele contidas foram suficientemente grandes para quebrar qualquer rotina que fosse.

Naquela tarde, meu banho foi revigorante, Peter estava cochilando e Rachel aproveitou para se esgueirar para dentro do banheiro. A água gelada na minha nuca só não merece mais crédito do que o suave toque de Rachel pelas minhas costas que, aos poucos, foi se tornando um arranhão quente, quente o suficiente para que eu, sem pensar duas vezes, a pegasse no colo e dominasse o ato sexual. Nosso coito foi irresponsável, mas foi perfeito, era inquestionável.

Peter não sabia sobre nosso relacionamento, não quisemos contar com medo de que ele decidisse não viajar conosco. Já transávamos havia algumas semanas, mas nosso relacionamento estava mais para uma amizade colorida do que para um namoro de conto de fadas.

Durante a noite, eu e Rachel estávamos totalmente ligados, afinal de contas nossa tarde havia sido animadora. Peter também estava pilhado, pois tinha acordado pouco tempo antes de decidirmos assistir a algum filme no velho vídeo cassete. Separamos alguns salgadinhos e bastante soda para nos saciarmos antes e durante o filme. Como estávamos bem animados, nada seria melhor do que um filme de terror para manter o ânimo.

Haviam três fitas de filmes de terror e optamos pelo clássico, "Psicose", mas nada disso teve a menor relação com o que veio a acontecer mais tarde. Com pouco mais de quarenta minutos de filme e mais de dez horas da noite, ouvimos um barulho vindo do andar de cima, seguido por uma queda permanente da energia.

Rachel me abraçou no mesmo instante em que a luz se apagou. Ouvi e senti uma baforada no meu ouvido esquerdo, seguidos por um grunhido vindo de Peter. Foi a última vez que senti a presença do meu amigo de infância.

Minha parceira e eu corremos para fora, mas lá não parecia estar muito mais claro, a lua não iluminava o suficiente, apesar de estar cheia. Parecia haver barulho de todos os lados, sem exceções. Ela começou a ficar nervosa e me soltou, correndo em direção ao carro. Esse foi o maior erro que cometera. Alguém havia colocado uma armadilha de urso e essa era forte o suficiente para dilacerar seu pé. Seus gritos de dor ecoavam na escuridão e, por mais que eu tentasse, não tinha forças para tirá-la de lá. Com formigas atacando a ferida e sangue jorrando aos montes, Rachel desfaleceu em meus braços. Estava pálida e imóvel, mas linda, como sempre fora.

Vendo-me sem opção, sem motivação, pedi que, seja lá o que fosse que estivesse causando aquilo tudo que também me levasse. Eu podia acreditar que meu desejo era realmente esse, até vislumbrar o rosto do que nos assombrava. Era um Wendigo. Já havia lido algumas citações e histórias a respeito dessa criatura. Um verdadeiro monstro mitológico, com seus três metros de altura. Era, também, muito veloz e só pude vê-la quando a criatura quis ser vista. Tinha um rosto que lembrava o de um humano, mas, ao mesmo tempo, era completamente diferente, deformado e completo com restos de ossos e chifres de animais.

Ao aproximar-se, exalou um odor de carniça tão forte, aparentemente impregnado em seu corpo, que meu desejo de ser levado foi trocado por uma necessidade de sobreviver ou, ao menos, de não ser carregado por aquilo.

Com apenas uns quatro metros entre nós, ele não me pegou pois não quis. Podia ter feito em qualquer momento, mas esperou, por algum motivo parou. Neste momento posso ouvi-lo lá fora e não vejo nada, não me recordo em qual cômodo estou. Não mais torcendo para sobreviver, algo me deixa desacreditado sobre isso, mas sim para que achem minha história. Se está lendo isso, pode ter certeza de que fui pego, caso contrário, não teria guardado este manuscrito. Muito provavelmente não estou mais entre nós, mas meu último desejo foi concretizado, minha mensagem foi passada e nossas vidas, lembradas.

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