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| FEVEREIRO, 2017 |

Meus olhos estão pesados mas obrigo-me a mantê-los abertos. Tudo o que eu mais quero é sair daqui. Não encontro forças. Minhas pernas parecem duas gelatinas.

Sinto que posso cair a qualquer momento, então agarro-me ao balcão.

Eu ainda estou entre os dois brutamontes. Sou capaz de notar isso quando um deles passa o braço ao redor de minha cintura. Ele aproxima seu rosto do meu e o cheiro de álcool impregnado nele me enjoa.

— Algo errado, gracinha? — indaga alisando meu rosto com a mão livre. Seu toque é bruto e sua mão áspera me incomoda.

Uma bile se forma em minha garganta.

Minha vontade é de empurrá-lo para longe e o xingar de todos os nomes possíveis, mas estou fraca.

O suor continua escorrendo por meu pescoço e minhas têmporas, e minhas mãos estão cada vez mais úmidas e trêmulas. Meus batimentos cardíacos continuam aumentando mais a cada segundo, e meu estômago dói tanto que sinto vontade de chorar.

Um soluço escapa por meus lábios sem que eu perceba.

Sinto outra mão pousar em meu ombro e gelo ao pensar na possibilidade de ser o outro cara ao meu lado, ainda que o toque seja bem mais delicado.


Engulo em seco e mordo meu lábio inferior na tentativa de conter o choro. Ouço algumas palavras mas não consigo entendê-las. O aperto em minha cintura afrouxa aos poucos, até que eu não sinto mais o braço do brutamonte ao meu redor. Agora as duas mãos da pessoa com toque delicado estão em mim, uma em cada ombro. Sou virada com calma porém não tenho coragem de olhar para seu rosto, então olho para baixo.

— Está tudo bem, não vou fazer nada com você.


É um homem. Seu tom é calmo, ainda que sua voz seja um pouco grossa. Permaneço de cabeça baixa apesar do que ele disse. Suas mãos seguram meu rosto com delicadeza e ele faz com que eu o encare.

Prendo a respiração ao reconhecê-lo. É o loiro de leves cachos.

Tento me afastar porém ainda me sinto fraca e sufocada, e por isso cambaleio. Ele me segura no mesmo instante e me olha com um leve sorriso. — Vamos lá pra fora, uh?!

Ele me leva com calma em direção a saída do bar. Meu nariz pinica no caminho devido ao cheiro forte de cigarro que as pessoas por quem passamos exala, e eu espirro algumas vezes. Isso o faz rir.

O alívio é quase instantâneo quando saio do estabelecimento e sinto o vento gélido chicotear minha pele. Encosto-me na parede e fecho os olhos, concentrando-me no ar que entra e sai de meus pulmões. Também concentro-me em contar até dez com calma. Aos poucos minha respiração se normaliza.

— Se sente melhor?

Sua pergunta me lembra de sua presença e eu o encaro sem esboçar reação. — Quer que eu pegue água?

Ele insiste em tentar-me fazer falar. Suspiro e concordo com a cabeça. O loiro abre um sorriso e avisa que volta logo, em seguida ele entra outra vez no Loki's e através do vidro o vejo desviar rápido das pessoas enquanto vai até o balcão. Sento-me no altinho de pedra que há quase grudado na parede do bar e apoio meus braços em minhas coxas.

Enquanto fito o chão um par de pés calçando coturnos parecidos com os meus aparece em minha frente. Levanto a cabeça vendo o rapaz com uma garrafa d'água nas mãos. Ele abaixa em minha frente e entrega-me a água.

Bebo com calma encarando qualquer coisa ao meu redor apenas para não encará-lo, e noto que ele faz o mesmo. Ele continua abaixado e penso que talvez isso lhe dê dor nos joelhos, por isso chego um pouco para o lado e o chamo com um toque leve no ombro. Aponto para o lugar vago e ele se senta ainda sem me encarar.

Talvez saiba que isso me deixaria desconfortável. Agradeço-o mentalmente por isso.

Quando acabo com toda água eu finalmente o encaro direito. Seu estilo de roupa lembra bastante o meu; calça preta, uma blusa branca lisa que parece ser de meia-manga, jaqueta preta e coturnos. Seus cabelos parecem um pouco mais bagunçados do que hoje mais cedo, entretanto isso não faz a mínima diferença. Ele tem uma barba não muito grande e rala, mas isso o deixa ainda mais atraente.

Mordisco o inferior de minha bochecha na intenção de conter uma risada dos meus pensamentos.

— Não estão te esperando? — Tomo coragem para falar algo e desvio o olhar para o chão quando sua atenção se volta para mim.

— O que?

— Sua banda. — digo como se fosse óbvio. — Estão te esperando, certo? Pode ir, eu já estou bem. — murmuro. Pela periférica consigo ver um leve sorriso em seus lábios.

— Como sabe que sou de uma banda? — pergunta, ignorando o que eu disse sobre ele já poder ir. Dou de ombros.

— Sempre sei o que está rolando por aqui. — respondo simples. Ele apenas concorda com a cabeça e permanece sentado.

Alguns minutos se passam enquanto ele me faz companhia, e ambos permanecemos em silêncio. Diversas vezes penso em perguntar seu nome, mas as palavras simplesmente não saem. Ainda que a presença dele não me incomode a dificuldade que eu tenho em puxar conversa é grande.

Pela minha periférica consigo notar seu olhar sobre mim. O loiro tenta disfarçar, e se eu não prestasse tanta atenção nas coisas ao meu redor com certeza não perceberia suas encaradas.

— Como sabia o que estava acontecendo comigo? — indago quase em um sussurro.

— Eu conheço os sintomas... — Ele responde no mesmo tom. O encaro com as sobrancelhas franzidas.

— Você, por acaso—

— Não. Eu não. — ri fraco. — Mas uma pessoa próxima de mim tinha ansiedade, e eu tive que lidar com as crises dela por muito tempo. — murmurou com o olhar fixo nos carros que passavam para lá e para cá.

Algo nele me deixava intrigada. Desde o primeiro olhar que trocamos hoje cedo ele parecia me compreender de alguma forma, e sua breve explicação foi o suficiente para eu ver que ele realmente me entendia.

Ele parecia conseguir me ler mais do que qualquer pessoa.

Todos costumam fitar-me como uma estranha, como se perguntassem mentalmente o que diabos ela está fazendo andando sempre com capuz, faça sol ou faça chuva?, e cada encarada desse tipo fazia-me estremecer e querer cavar um buraco para eu me enfiar nele.

Era assustador. E muitas das vezes esses breves acontecimentos me impedia de sair de casa por dias, talvez semanas.

Tinha vezes que, sim, eu conseguia manter a cabeça um pouco mais erguida. Até atrevia-me a tirar o capuz. E raramente eu conseguia permanecer em um diálogo, mas eu tentava. Quando eu era mais nova chegava a ser incrível o modo como eu conseguia socializar, conversar com qualquer um, sorrir, manter a cabeça sempre erguida...

Eu costumava ser tão segura, impulsiva, otimista. Eu costumava viver.

Ainda tinha meus problemas, é claro, mas eles eram mínimos se comparados ao meu otimismo. Eu costumava fazer tudo o que tinha vontade, sem pensar nas consequências. Porque eu sempre preferi errar do que me arrepender de não tentar.

 Porque eu sempre preferi errar do que me arrepender de não tentar

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Até a próxima semana!

VIVENDO INTENSAMENTEOnde histórias criam vida. Descubra agora