Resquícios de Ema (Parte 2)

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O sangue escorria em meu rosto e eu estava ofegante. Corpo tenso, coração acelerado, suor frio, mãos trêmulas - não mais as controlava. Tudo ficou de cabeça para baixo e sons ecoavam em meus ouvidos. Minha mente vacilava, meus sentidos instáveis - o choro do garoto me fez reagir.

O carro havia capotado. Olhei para o lado a procura de Elen, ela não estava mais lá. Tentei despender meu cinto de segurança, mas não consegui. Ao me mexer sentia dores terríveis em todo meu corpo. O choro do garoto persistia; cada vez mais e mais desesperado. Seus gritos apertavam e eu estava tão incapaz incapaz de qualquer reação.

Forcei o cinto novamente, uma, duas três vezes até que consegui tirá-lo. Caí próximo a minha mala. Com o impacto do meu corpo sobre teto do carro minhas dores foram acentuadas.

-Elen! Elen! - eu gritava desesperado.

-Tom! Socorro, não me deixe, não me deixe. - fui chamado entre choros e soluços pelo menino.

-Eu estou indo, fique calmo... vou tirar você daí; estou aqui... estou aqui.

Foi desesperador e angustiante vê-lo daquele jeito. Pequeno e frágil, tremendo de medo. Coberto de sangue, chorando de dor.

-Não chore, por favor... não chore. Segure a minha mão. Eu prometo que vou tirá-lo daí. - Estendi minha mão e ele segurou com força. Elas estavam quentes, pude sentir seu calor. Suas lágrimas escorriam e se misturavam ao seu sangue. Eu, no limite da minha impotência, apenas tentava acalmá-lo.

Com o garoto um pouco mais calmo, estiquei meu braço até o seu cinto, mas não consegui desprendê-lo. Forcei meu corpo para mais uma tentativa em passar entre os acentos e as ferragens da minivan mas não tive êxito.

O para-brisa do carro estava trincado, posicionei minhas pernas em frente a ele e chutando com força consegui quebrá-lo. Me arrastei em meios aos estilhaços e saí do carro.

Algumas pessoas param próximo ao acidente. Saíam dos seus carros já com os celulares em mãos chamando por ajuda.

Eu estava meio tonto e um desconhecido me amparou.

Do outro lado da rua, perto do acostamento havia uma cena que me perseguia. Vi novamente aquele contraste devastador. O sangue que manchava suas roupas e escorria pelo asfalto me fez estremecer. Corri.

Ao lado de Elen, fiquei sentado; olhando seu peito se movimentar lentamente com sua fraca respiração. E alí eu vi esperança e lágrima pelo meu rosto desceu.

Passei minhas mãos em meu rosto; não sabia o que fazer. Olhava para todos em minha volta a procura de alguém que ajudasse e ao longe vi uma mulher de longos cabelos pretos e ondulados que assistia toda aquela cena de forma imparcial. Eera a mesma mulher que estava com Philipe. Ela vinha em nossa direção, com passos calculados e uma arma mão.

Ela bateu em nosso carro. Ela causou o acidente. Elen estava morrendo por culpa dela. conclui então que teria sido a mando do Philipe.

A mulher me olhava dentro dos olhos como se pudesse ver minha alma. Não me queria vivo e veio terminar o que não tinha conseguido com o acidente. Mas logo, várias pessoas cercaram a mim e a Elen tentando ajudar. A mulher que visivelmente ficou irritada com a situação retornou. Alguns curiosos a apontaram como causadora do acidente; ela entrou em seu carro, de frente amassada - o mesmo que Philipe estava e fugiu.

― Elen, minha querida, consegue me ouvir? ― Falei sussurrando perto do seu ouvido; mas não havia resposta.

Eu segurava em sua mão como se temesse perdê-la. Alguém pousou a mão em meu ombro, tentando me tranquilizar.

― Calma, senhor, vai ficar tudo bem, a ajuda já está a caminho; ligamos para o socorro e logo chegará uma ambulância. Seus filhos ficarão bem.

Segurei a mão do desconhecido, levei-o até a mão de Elen e pedi:

― Fique com ela... não a deixe sozinha, por favor.

O homem se abaixou ao lado de Elen. Eu ainda cambaleando, corri em direção ao carro; o garoto gritava, me chamava. Pedia socorro.

Quando me aproximei do carro pude ver alguém quebrando o vidro e o tirando de dentro. O homem que o resgatou, entregou ele em meu colo. Logo seus gritos deram lugar a soluços e a um longo e apertado abraço.

― Você está bem! Você está bem. ― eu sussurrava em seu ouvido enquanto o pressionava a meu peito. Uma sensação de alívio percorreu meu corpo e naquele curto momento, com aquele pequenino em meus braços, eu só conseguia chorar.

Coloquei o menino em pé na minha frente e com um pouco de desespero comecei a verificar seu frágil corpo a procura de ferimentos. Encontrei apenas cortes em seu queixo e ombro, provavelmente feitos por estilhaços. Ferimentos estes que ensanguentou seu rosto e eu tentava limpá-los com a ponta da minha camiseta. Ele estava bem.

― É a Elen? ― O menino olhava e apontava para Elen estirada ao chão. Seus olhos já cansados de tantas lágrimas, se arregalaram perplexos. Eu pude ver o terror através dele. Ver sua irmã naquele estado, tomada pelo sangue o chocou.

― Olhe pra mim, olhe pra mim. ― Me ajoelhei em sua frente. Com as minhas mãos, trouxe seu rosto em encontro ao meu; quando ele, ainda com o semblante que cortava meu coração olhou dentro dos meus olhos eu continuei: ― Não se preocupe, ela está bem. Assim como você se cortou um pouquinho, ela também se cortou um pouquinho. Eu já fui lá e falei com ela. Ela está bem. Você acredita em mim?

Ele confirmou acenando com a cabeça e novamente me abraçou.

― É isso aí, campeão. Vai ficar tudo bem agora. ― Carreguei ele e caminhei um pouco para me distanciar do acidente. Uma senhora, que estava em pé ao lado da fileira de carros que se formava pelo engarrafamento provocado pelo acidente, ofereceu ajuda e eu o coloquei deitado no banco de trás do carro dela.

Voltei para a minivan, me agachei à procura da minha mala. Havia muitos estilhaços de vidro espalhados e ferragens contorcidas. Avistei ela e a tirei com facilidade. Um pouco mais atrás vi as mochilas das crianças. Puxei as alças, mas estavam presas. Puxei com ainda mais força e uma delas acabou rasgando na lateral; mas consegui tirá-las.

Com as bolsas em mãos fui em direção ao acostamento. Alguém tentou me ajudar mas rejeitei.

Me sentei ao chão olhei para as minhas mãos; elas ainda tremiam. Levantei minha vista e ao longe vi Elen. Não consegui ir até ela novamente. Meu corpo paralisou e eu senti medo.

O sol já estava forte e eu sentia meu corpo queimar. Não era o sol. Não. Vinha de dentro de mim; eu sentia queimando dentro dos meus ossos. Aquilo estava acontecendo novamente. Não podia ser possível. Não era hora para isso.

Minha vista já turvava e a tontura me perseguia, mas eu não podia abandonar as crianças.

Eu precisava de ajuda.

Inimigos Em Primeiro GrauOnde histórias criam vida. Descubra agora