Por sorte, marcar uma consulta com a Dra. James, que, por acaso, prefere ser chamada apenas de 'Emma'. Emma disse que eu precisaria estar em seu consultório às 17h da tarde, já que eu disse que era urgente. Agora, estou adentrando ao lugar indicado. É um prédio de três andares, onde presumo que ela não seja a única a trabalhar. Falo com a recepcionista adolescente e ela pede para que eu me sente na sala de espera. Logo, dra. James aparece na porta e dá adeus a uma paciente que sai com cara de quem chorou bastante.
"Fique bem, querida." Dra. James beija sua testa. "Pode me ligar, se quiser." Ela sorri e a garota assente e segue até a saída.
"Olá." Eu me levanto e ponho minhas mãos no bolso do meu moletom.
"Olá. Você é o Adam, certo?" Ela sorri.
Dra. James é bonita. Ela é alta, mais ou menos da minha altura. É bastante magra, com cabelos claros e olhos castanhos. Estranhamente, ela não usa óculos e aqueles vestido formais até os joelhos, ou um blazer uma daquelas saias justas e bem comportadas. Ela usa legging, tênis e uma blusa cinza de mangas longas. É bem diferente do que se espera de uma psicóloga estereotipada. Além de não ter nada a ver com a Anna, então pressuponho que ela se pareça mais com o pai.
"Dra. James?" Arqueio as sobrancelhas.
"Pode me chamar de Emma, querido." Ela afaga meu ombro. "Vamos entrar?"
"Claro." Assinto, agarrando minha mochila e adentrando à sala.
Aposto que Nina adora esse lugar. Uma grande janela dá para uma bela vista para um parque. As paredes são amarelas e estantes brancas estão cheias de livros e algumas com brinquedos. Parece um lugar onde Nina passaria o dia deitada no sofá cinza coberta pelo cobertor enrolado e agarrando as almofadas. Conversando. Nina conversando.
"Você se importa se eu ligar para o meu marido por um segundo? Eu só tenho que avisar que chegarei um pouco mais tarde, ou ele fica preocupado." Ela diz e eu dou os ombros.
Olho para alguns dos infinitos livros. Poucos são sobre psicologia, mas têm bastantes.
"Olá, querido. Sim, tudo bem." Ela diz. Deve ser legal ter a pessoa que você ama falando assim com você. "Eu só queria avisar que vou chegar mais tarde... É, eu aceitei mais um, mas é urgente e ele é amigo da Anna." Ela diz. "Claro, sem problemas. Não precisam me esperar para jantar... Eu sei que vão, mas não precisam..." Ela ri. "Eu também te amo. Tchau, amor.", ela desliga o celular o guarda no bolso. "Perdão pela demora."
"Sem problemas." Balanço a cabeça.
Emma se senta na poltrona agarrando suas pernas. Ela se cobre com um cobertor e pega uma prancheta sobre a mesa ao lado da poltrona. Também me sento no sofá bem confortável de frente à ela.
"Olá, Adam. Então, eu vou te explicar da forma como eu trabalho, tudo bem?" Emma avisa calmamente e eu assinto. "O que você fala para mim, fica aqui dentro. Sou uma pessoa a qual você pode confiar. Sempre." Ela começa. "Não prometo responder todas as suas perguntas e nem posso contar coisas sobre os outros pacientes. Sempre que você precisar conversar, pode tentar me mandar uma mensagem, mas eu só verei responderei quando eu puder." Ela balança a cabeça. "Agora, sinta-se confortável para fazer suas perguntas."
"Depressão." É o que digo enquanro retiro o livro da Nina da mochila. "Você conhece a Nina. Nina Davis."
"Sim, ela é uma ótima garota... Ah! Você é o Adam." Ela parece surpresa e abre um sorriso.
"Eu sou 'O Adam'?" Arqueio as sobrancelhas.
"Não importa. Eu disse que não podia falar sobre o que os outros pacientes dizem. Vamos direito ao assunto: Por que deseja saber sobre depressão?" Ela sorri.
"Nina." Eu suspiro. "Nossos pais se casaram, acho que sabe. Nina tem muitos problemas e eu quero ajudá-la. Quero que ela confie em mim; deixe-me entrar. Eu sei que parece estranho, mas quando a minha mãe morreu, eu precisava de alguém. Ela não tem muita gente interessada nela. Eu estava triste, mas a depressão é mais profunda que isso."
"Entendi muito bem." Ela ri. "Ok, eu vou te explicar o que é isso. Vou ler uma coisa para você."
Respiro fundo, tentando me manter calmo para poder ouvir e absorver. Pela Nina, certo?
"Há pouco tempo, voltei a um bosque em que brincara quando criança e vi um carvalho, enobrecido por cem anos, em cuja sombra eu costumava brincar com meu irmão. Em vinte anos, uma enorme trepadeira grudara-se a essa árvore sólida e quase a sufocara. era difícil dizer onde a árvore terminava e a trepadeira começava. Esta enrolara-se tão completamente em torno da estrutura dos galhos da árvore, que suas folhas pareciam à distância ser as da árvore. Só bem de perto, podia-se ver como haviam sobrado poucos ramos vivos e quão poucos gravetos desesperados brotavam do carvalho, espetando-se como uma fileira de polegares do tronco maciço, suas folhas continuando o processo de fotossíntese ao modo ignorante da biologia mecânica. Tendo acabado de sair de uma depressão severa, na qual eu dificilmente acolhia os problemas de outras pessoas, me senti cúmplice daquela árvore. Minha depressão havia tomado conta de mim como aquela trepadeira dominara o carvalho. Ela me sugou, uma coisa que se embrulhara à minha volta, feia e mais viva do que eu. Com vida própria, pouco a pouco asfixiara toda a minha vida. No pior estágio de uma depressão severa, eu tinha estados de espírito que não reconhecia como meus; pertenciam à depressão, tão certamente quanto as folhas naqueles altos ramos da árvore pertenciam à trepadeira. Quando tentei pensar claramente sobre isso, senti que minha mente estava emparedada, não podia se expandir em nenhuma direção. Eu sabia que o sol estava nascendo e se pondo, mas pouco de sua luz chegava a mim. Sentia-me afundando sob algo mais forte do que eu. Primeiro, não conseguia usar os tornozelos, depois não conseguia controlar os joelhos e em seguida minha cintura começou a se vergar sob o peso do esforço, e então os ombros se viraram para dentro. No final, eu estava comprimido e fetal, esvaziado por essa coisa que me esmagava sem me abraçar. Suas gavinhas ameaçavam pulverizar minha cabeça, minha coragem e meu estômago, quebrar-me os ossos e ressecar meu corpo. Ela continuava a se empanturrar de mim quando já parecia não ter sobrado nada para alimentá-la." Emma lê.
"Deus." Murmuro.
"Página 18. Está demorando para ler." Ela ri.
"Sem dúvidas." Suspiro.
"Consegue compreender?" Ela põe o livro sobre a mesa ao seu lado. "Se você joga com objeto com uma densidade maior 1g/cm3, o que acontece com ele?" Ela se inclina.
"Ele afunda." Digo obviamente.
"Volto já." Ela avisa.
Depois de alguns minutos, Emma entra na sala com uma vasilha funda de água, uma garrafa e pedras sobre um daqueles carrinhos que as arrumadeiras de quarto de hotel usam para levar toalhas e outras coisas. Paro ao seu lado e ela põe a garrafa dentro da vasilha.
"Esta é uma pessoa em formação. Ela não tem tampa, então recebe as pessoas e as críticas delas. Ela bóia, porque tem pouca densidade, a qual não sei exatamente qual é." Ela explica. "As pedras são insultos, brigas, decepções, traições. São todas as coisas que ferem alguém." Emma comenta.
Ela pega as pedras e vai enchendo a garrafa.
"Ela vai afundando conforme cheia das coisas ruins." Ela continua enchendo. "Quanto mais cheio, mais afunda. E agora, está em um ponto onde, por mais que não esteja totalmente cheio, há uma parte vazia. Então afunda e a água entra. É assim que funciona, Adam." Emma suspira.
"E onde você acha que Nina está?" Meus olhos se arregalam.
"Vazia e cheia. Triste e entorpecida." Ela esfrega ambas as suas mãos. "Deixe-me encontrar uma coisa aqui." Ela diz, andando até sua mesa, onde encontra um caderno moleskine preto e o abre. "Um segundo." Ela folheia as páginas por um instante e para. "Conhece Freud?" Ela arqueia as sobrancelhas.
"Alguém não?" Franzo o cenho.
"Uma boa parte dos meus pacientes." Ela gargalha. "Bem, Freud tinha uma ideia sobre a relação de melancolia com a depressão e sobre o luto, que podem se encaixar perfeitamente com a Nina: O luto afasta a pessoa de suas atitudes normais para com a vida, mas sabemos que este afastamento não é patológico, normalmente é superado após certo tempo e é inútil e prejudicial qualquer interferência em relação a ele. Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. A perturbação da auto-estima normalmente esta ausente no luto, fora isto as características são as mesmas.[...] Isso sugeriria que a melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda. [...] O melancólico exibe ainda outra coisa que está ausente no luto — uma diminuição extraordinária de sua auto-estima, um empobrecimento de seu ego em grande escala. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. [...] Quando, o melancólico em sua exacerbada autocrítica, ele se descreve como mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência, alguém cujo único objetivo tem sido ocultar as fraquezas de sua própria natureza, pode ser, até onde sabemos, que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo; ficamos imaginando, tão-somente, por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie." Ela lê calmamente para mim.
"Então, quando diz entorpecida, diz na capacidade de amar." Suspiro.
"De sentir. O sentimento de tristeza, provém mais do da frustração, pelo fato de não conseguir sentir nada. É difícil de aproximar das pessoas e se afastar é mais reconfortante. Fugir." Ela mexe a cabeça. "Entende?"
"Isso é horrível." Suspiro. "Eu não pensei que fosse tão ruim. E quando a garrafa afunda, o suicídio é a saida?"
"Tecnicamente. Ninguém quer tirar a sua vida, quando se mata; As pessoas procuram encerrar com sentimento de dor. O que tem que fazer, é tampar a garrafa." Ela inclina a cabeça para o lado.
"E o que eu faço agora?" Arregalo os olhos.
"A ajuda a retirar pedra por pedra, assim, será mais fácil para ela, não afundar de vez. E depois, a tampar a garrafa." Dra. James esfrega as mãos.
"E como eu faço isso?" Arqueio as sobrancelhas.
"Adam, mostre que se importa. É tudo o que todos nós precisamos: alguém que se importe." Ela abre um sorriso passional. "Quando não consegue achar alguém que se importe, você precisa ser esse alguém, mas é difícil demais conseguir nadar para cima, quando a corrente é mais forte. Um barco sempre é bem vindo. Um barco é mais forte para nadar contra a corrente, mesmo que oscilando. O que não podemos deixar, é que ela desista e deixe seu corpo ser levado e bater contra as pedras."
"Você usa muitas metáforas."
"Não há meios de ser direto quando se trata da mente." Ela diz. "Mas antes, Adam, deixe-me dizer que você pode rodar o mundo para tentar ajudá-la, mas se ela não quiser sair disso, swu esforço será inútil."
"Eu entendo. Obrigada, Emma." Suspiro em alívio.
"Não é nada. Aprecio pessoas que querem ajudar. O mundo precisa de mais humanidade e empatia." Ela afaga meu ombro. "Agora, tenho que comer. Estou morta de fome."
"Sabe onde tem uma floricultura aqui?"
"Em Nova Iorque? À cada esquina." Ela ri. "Meu marido compra flores em uma que tem na esquina do final da rua. À direita."
"Obrigada. Sério, muito obrigada. Agora entendi o porquê de ser uma das melhores do país."
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O livro em questão é "O Demônio do Meio-Dia", de Andrew Solomon. Tenho-o em pfd, também, se alguém se interessar em ler.E Freud é, na verdade, Sigmund Freud, um médico neurologista, criador da psicanálise (empregado em casos de neurose e psicose, que consiste fundamentalmente na interpretação, por um psicanalista, dos conteúdos inconscientes de palavras, ações e produções imaginárias de um indivíduo, com base nas associações livres e na transferência.)
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O Silêncio Entre Nós
RomanceHISTÓRIA EM EDIÇÃO | LEIA A INTRODUÇÃO Após a morte do pai de Nina Davis, ela desenvolve uma fobia social que a impossibilita de se comunicar com as pessoas de maneira direta, além de uma depressão severa que a mantém à margem do mundo, sempre tranc...