x Laura x
Minha filhinha. Minha menina. Ela está viva. Meu coração está acelerado. Já estou dirigindo há horas e não consigo parar de chorar. Vou poder abraçá-la. Vou conhecê-la. Minha menininha.
Será que ela vai gostar de mim? Eu devia ter me arrumado. Quero que ela tenha a melhor impressão possível. Será que ela entende o tamanho do sofrimento que perdê-la me fez passar? É difícil explicar, mas sinto que estive morta esse tempo todo só esperando por ela.
Qual será seu nome? Eu havia escolhido Sofia, mas ela pode se chamar Maria, Alice ou Ana. Ela pode ter escolhido o próprio nome ou talvez tenha encontrado uma outra mãe para escolher por ela.
Como ela age e pensa? Como os jovens da comunidade da mesma idade? Qual será sua habilidade? Ela queima como eu, ou controla as águas como o pai? Qual será seu cheiro, sua altura, sua cor favorita, sua voz?
Vou conhecer minha filha!
Estou quase lá. Após anos os portões parecem os mesmos. Precisei fugir para não enlouquecer. Fugi com minha mãe, mas depois tive de fugir dela. Não quero que minha filha precise fugir de mim.
Deixo o veículo na entrada. Está quase amanhecendo. Eu deveria esperar um pouco, deixar que todos acordem. Mas, já esperei demais. Por isso vou diretamente para o escritório de Martins.
Abro a porta e ele está lendo um livro. Parece o mesmo de sempre. Eu o culpei com meu coração, corpo e alma. Mas ele a encontrou, então talvez essa seja sua redenção. O problema é que muitas coisas precisam ser explicadas. Como minha filha pode aparecer viva vinte e dois anos depois de ser enterrada, para começar. Mas isso fica para depois. Agora eu só quero ver o rosto dela.
Martins levanta os olhos da leitura e se concentra em mim, para depois desviar para o sofá onde consigo notar uma figura adormecida. Os longos cabelos negros estão espalhados por toda parte. Fico confusa ao reconhecer a garota.
— O que Sofia está fazendo aqui? — ela devia ter voltada para Civitas há semanas depois da missão com Hugo.
— Você a conhece? — Martins fala com a voz baixa para não acordá-la.
— Claro. Ela vive há anos em Civitas. — respondo ainda sem entender a situação.
— Isso é muito irônico, mas como você poderia saber? Isso tudo é culpa minha. — ele diz se voltando para a porta.
O sigo até a praça principal. Durante muito tempo tivemos conversas às escondidas nesse mesmo lugar. Esperávamos todos dormir para nos encontrarmos no banco ao lado dos carvalhos.
— Martins, você quer me matar de ansiedade? Onde ela está? — pergunto completamente sem paciência. Isso não pode ser uma brincadeira de mau gosto!
— Laura, não vou pedir perdão porque sei que o que fiz está além do imperdoável. Eu não te contei tudo o que aconteceu. Em minha defesa, foi sua mãe quem me convenceu de fazer isso. Mas, eu concordei, achando que assim te protegeria. Você acordou tão frágil! — ele está usando aquela voz que conheço bem que tantas vezes antes fez com que eu concordasse com seu ponto de vista. Mas não sou a mesma de antes. E não estou aqui para conversas sobre o passado.
— Apenas diga logo. Eu realmente não tenho mais disposição para seus discursos intermináveis. — estou olhando bem para os seus olhos. Ele parece em conflito sobre o que deve me dizer.
— Nossa filha não nasceu morta. Ela veio ao mundo chorando, linda, perfeita. O único problema foi que ela não manifestou nenhuma habilidade. Naquele dia você entrou em colapso, e Sofia parecia bem, mesmo Tereza dizendo que ela era defeituosa. Depois você sabe o que aconteceu tão bem quanto eu. Sua mãe levou Sofia, e eu fiquei com você. Horas depois recebi a notícia de que ela estava morta. Então continuei com você. Eles disseram que não havia corpo para se olhar. Eu segurei a mão da mulher que eu amava e chorei por nossa filha que eu mal havia segurado em meus braços. — não sou estúpida. Sei onde essa história vai acabar e não sei se quero ouvir o final.
— Meses depois você partiu com sua mãe e eu permaneci aqui. Eu não sabia que ela havia sobrevivido, do contrário teria passado esses anos a procurando. Mas quando Sofia chegou aqui ela era tão parecida com você vinte anos atrás! E quando fiz as perguntas necessárias, não tive dúvidas. Nossa filha é única. Não existe ninguém como ela.
Me levanto do banco tentando me controlar. Se eu soubesse! Todos esses anos perdidos porque eu não sabia nada sobre minha própria filha. Porque decidiram o que era melhor para mim sem me perguntar. Estou cansada disso. Exausta.
— Mas por quê? Como? — não consigo formular uma pergunta coerente.
— Não tenho provas, mas acredito que sua mãe fez isso. Sofia me contou que passou a infância em Veteris. — não estou olhando para seu rosto, mas sei que Martins está com aquela expressão de indignação contida. Ele nunca entendeu minha mãe.
Tereza sempre foi uma mulher de poder. Desde criança ela me molda para atingir os lugares mais altos que se possa imaginar. Eu a deixei porque passei a desconfiar que ela tinha alguma participação na morte da minha menina. Ela sempre dizia que eu estava melhor sem ela.
Agora consigo imaginar perfeitamente. Consigo vê-la levando meu bebê para longe no tempo que fiquei inconsciente. Posso ver os meses depois que acordei, sua frieza ao tratar do assunto, sua indiferença a minha dor. Ela sumia vez ou outra e nunca dizia para onde estava indo.
Depois que a deixei, que rompi com qualquer sentimento de respeito ou amor que podia existir, posso vê-la tramando. Posso enxergar perfeitamente como ela usaria minha menina para seus planos.
Mas Sofia fugiu. Fugiu e encontrou refúgio em minha casa. E eu a tratei como uma ninguém.
Mas o que eu podia fazer? Todas às vezes que olhava a garota, lembrava do que havia perdido. Todas às vezes que a via viva e lutando, mesmo com sua limitação, me perguntava qual era a justiça nesse mundo, quando minha menininha não tinha recebido a mesma oportunidade.
Caio no chão perdendo todas as minhas forças. As lágrimas escorrem e meus gritos expressam minha profunda dor. O que eu fiz?
Sofia me odeia. Ela nunca vai me perdoar.
xxx
Não esqueça o comentário e a estrelinha <3
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Lenda das Estrelas
Science FictionLendas do amanhã 1 Os homens da ciência antiga nunca acreditaram que o mundo sobreviveria tanto. A nação que antes era de gigante natureza, sofreu para resistir a grande devastação provocada pelo próprio homem. Mas eles encontram uma solução, alter...