O Nascer do Paladino

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Nunca foi tão fácil para alguém como sir Erick derrubar seus oponentes nos confrontos entre as paredes da Arena. Não porque o seu oponente fosse fraco ou incapaz. Diziam os tanarianos, que o estigma de inquisidor estava pregado em sua alma e na lâmina de sua holy sword, que havia executado inúmeros homens hereges, opositores à igreja e a lei suprema do Imperador Sem Face.

Erick usou de uma esquiva furtiva pela esquerda, onde sua perna era mais forte, e perfundiu as costelas de um aldeão devedor do império. Já era o terceiro homem endividado que o paladino matava só nesta semana.

- Ele era só um homem que não tinha como sustentar a família - disse Lenora, a única irmã viva de Erick.

- Era um bastardo que devia quatro colheitas ao imperador e conspirava contra os deuses em rituais malignos - cuspiu o paladino mostrando os dentes.

- Como vai exigir colheitas de um homem que perdeu sua plantação para uma invasão de pragas?

- Não há praga alguma, Lenora. Não há porque ter pragas. Nós seguimos a lei exigida pelos deuses - rosnou batendo com o punho à mesa. - A lei é clara: se não há guerra não existem catástrofes naturais, incluindo pragas, tufões e tremores.

- Nem mesmo quando uma guerra silenciosa permeia por Tanaris? - ela falou levando a mão ao ombro do irmão que se levantou de repente, esquivando-se do toque.

- O que uma mulher sabe sobre a guerra? Guerras lavam solo com sangue e fezes.

- O que você faz todos os dias na Arena não é semear trigo, Erick.

- Peço que fique fora disso, irmã. As pessoas têm comentado sobre a sua discordância dos ensinamentos do clérigo Hamelim. Certa vez ele se referiu a você como herege, uma mulher sem pudores que questiona a pobreza dos tanarianos. Veio me contar que a viu ajudando o bastardo que hoje matei.

- O bastardo se chamava Ulric - gritou a mulher com indignação e então apontou para o irmão como veemência. - Hoje vou levar mantimentos para a viúva e o órfão, Erick. Vou continuar ajudando a família que você ajudou a afundar. E mande esse clérigo comer com os porcos - ao dizer isso, girou os calcanhares deixando a cabana, abraçada a uma cesta com pães. - E não se esqueça de que os bastardos aqui somos nós - falou quando já estava longe.

Erick se viu mais uma vez sozinho com os seus demônios. Jogou contra a parede a sua espada e a escutou gritar contra as rochas. Os dois irmãos eram realmente bastardos. Haviam nascido de uma aia que mantinha um relacionamento secreto com um conde. Mas, depois que sua mãe ficou doente e morreu com a peste, como o próprio curandeiro diagnosticou em inúmeras famílias, o Sumo Sacerdote Gideone alegou que a doença era obra da heresia dos cidadãos mal-agradecidos aos deuses, e vez ou outra, citava feitiçaria como causa dessas mortes.

Depois do incidente, Erick cresceu sob a orientação da igreja, enquanto Lenora fora criada por uma família de estudiosos alquímicos onde as mulheres costumavam entender os elementos e cozê-los em fornos sagrados.

Erick era muito jovem quando ouvia os ensinamentos de Gideone sobre os deuses. Na adolescência, quando ainda carregava livros, entregava mensagens e lavava o templo, conheceu o clérigo Hamelim. Hamelim mostrou a Erick o seu verdadeiro valor como paladino, dando uma chance de se igualar aos deuses nas decisões tomadas na Arena. Após ser treinado pelos maiores guerreiros do império e ter aprendido as artes de cura com Hamelim, conquistou destaque como campeão, tinha o carisma do povo que ovacionava e jogava presentes quando entrava na Arena.

Hamelim foi o homem das verdades não ditas, e Erick o considerava um dos mais sábios que havia em Tanaris. Fora ele quem fazia o paladino sentir a chama da luta crescendo em sua alma inquisidora, e ao mesmo tempo, era o clérigo que vinha acalentá-lo, quando alguma ordem vinda do Sumo Sacerdote parecesse um tanto perturbadora - como assassinar uma família inteira caso houvesse algum sinal de devoção a um deus maligno.

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