Quando a Professora Eleonora ligou para minha casa e me fez o convite, bem, eu não tinha como recusar. Essa mulher praticamente salvou minha vida. Como é que eu conseguiria dizer não para ela?
Em uma época que ninguém me chamava para nada. Quando os meninos faziam questão de debochar de mim na escolha do time de futebol. Quando tudo que as pessoas viam era o filho feio dos empresários mais bem sucedidos da cidade, ela me apresentou um mundo novo de som e de toque.
Lembro-me que nos encontramos por total acaso. Minha mãe precisava de bailarinos para mais uma das casas de show. Ela ficou na recepção, mas eu fui atraído pelo som de um pedaço de pau batendo no chão. Era tão marcado. Tão matemático. Tão certo. Tão eu.
Entrei sem bater na porta. Com vergonha, é claro. Não sou eu sem a timidez. Entrei na sala e aquela professora, a mulher mais elegante que eu conheci, conduzia oito casais de adolescentes. O silêncio imperava ali. Não havia risadinhas, nem cochichos, nem brincadeiras. Apenas a marcação matemática da bengala no chão.
Ela me deu um sorriso. Seus olhos eram quentes. Sei lá! Eu nunca tinha visto aquilo antes. Apontou um banco cheio de mochilas e eu logo encontrei um lugar para mim afastando as coisas.
Quando a música tocou, eu senti na alma. Oito casais no mesmo compasso, no mesmo ritmo. O encantamento foi divino. Estava no céu. Nem senti o tempo passar. Não ouvi minha mãe me chamando. Apenas acompanhei com os olhos os passos. Completamente embasbacado.
─ Olá. – A professora sorriu para mim. A aula terminara. – Como é seu nome? – No auge dos meus onze anos incompletos, eu queria me enfiar chão adentro. Não respondi. – Você quer fazer a próxima aula? – Continuei mudo. – É para garotos da sua faixa etária. Acho que talvez você vá gostar. Venha cá. – Outro sorriso. Ela insistiu em ficar me chamando. Então, eu fui.
Em pouco tempo, mais crianças entraram na sala fazendo barulho. Tinha uma menina linda. Olhinhos castanhos brilhantes e cabelos claros. Nunca tinha visto uma garota tão bonita. Ela sorriu para mim também. Não me lembro de nenhuma garota ter sorrido para mim antes daquela aula.
Todos fizeram silêncio. Pelo jeito, o único som permitido lá dentro, além da música, era a bengala da professora marcando o ritmo. A disciplina acalmou meu coração. Eu ansiava por um pouco de ordem.
Mais uma vez a voz dela ecoou.
─ Meninos, quero que vocês conheçam o... – Olhou diretamente para mim e dessa vez não pude fugir.
─ Carlos Eduardo. – Fiquei vermelho, mas ninguém pareceu notar ou rir.
─ Pois bem. – Mais um sorriso encantador da professora. – O Carlos Eduardo vai fazer a aula de hoje conosco. Alguém se oferece para ajudá-lo?
Todos os meus medos de ser escolhido por último estavam ali. Eu estava cansado de ser rejeitado, mas não fui. Três meninas levantaram a mão. Entendi depois que aquilo era a prática comum da escola. A professora chamou a Soraya para ser meu par, a garotinha de cabelos claros e olhos brilhantes. Comecei a suar.
Mas nem foi necessário o nervosismo, porque tudo aconteceu naturalmente. Nós fizemos algumas brincadeiras. Mímica. Espelho. Uma dança engraçada na roda. E só no finzinho da aula é que a Soraya me ensinou como eu devia tocar nela. Mão na coluna, postura e mãos em concha.
Fiquei nervoso nessa hora, mas percebi que estávamos novamente apenas brincando de espelho. Um era reflexo do outro. Tínhamos que seguir a batida da bengala no chão, mas os movimentos eram os mesmos das brincadeiras. Nem dei por mim, eu estava dançando com uma menina.
─ Ok, garotada, acabou a aula de hoje. – A professora falou e todos lamentaram, inclusive eu. Foi só então que me dei conta que a minha mãe estava na porta da sala me observando por uma janelinha. Ela estava visivelmente emocionada. Minha timidez voltou com força total.
─ Se você me disser que vai sorrir assim mais uma vez, meu filho, eu te matriculo aqui agora. – Ela me disse na saída. A única coisa que consegui fazer foi sorrir ainda mais. Eu precisava voltar ali.
Isso faz sete anos. Sete anos de dedicação à dança de salão. Meu porto seguro. O lugar onde sou aceito. O lugar que me faz sorrir. O lugar onde me esqueço do tempo.
Por isso, eu não poderia jamais dizer não. Um pedido da minha primeira professora de dança, para mim, é uma ordem. Mesmo com toda a delicadeza na maneira de pedir. Sei que é um desafio imenso e ela também sabe disso. Eleonora é minha musa. Jamais lhe diria um não. E é por isso que eu me meti nessa enrascada chamada: Bruna Drummond.
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Por Onde Andei
Teen FictionNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...