Sento-me à janela do velho apartamento de minha avó
E olho para a rua queimada pelo Sol de Verão.
Sei que não sou mais que os outros,
Que não sou quente como o Sol
Mas sim calmo como a brisa quente de Agosto.
Lá fora, passam casais, amigos e amantes
Filhos, pais e avós.
Eu não tenho ninguém excepto Deus,
Mas pouco me importa que esteja sozinho.
Mas de tudo aquilo que vejo há uma coisa que me magoa,
Os sonhos que perdi e as memórias que me queimam por dentro.
Quando era moço, quando era rebento,
Tantos sonhos que tive, tanto que queria ser.
Mas agora não sou nada, não me resta nada
A não ser a dor de os ter perdido,
De nunca os ter visto nascer
Como flores num jardim.
Restam-me as memórias conspurcadas pela ansiedade,
Pela dor, pelo cansaço, pela miséria de não ter vivido
Plenamente, fielmente a mim.
Mas continuo a olhar pela janela,
Tal como fez a minha avó que nunca viveu plenamente,
Fielmente a si.
Sinto que sou como ela, mais do que gostaria.
Mas agora, de pouco me resta querer mudar
Porque sou velho e a rua vai passar
E todas as gentes nela irão-se embora
Para nunca mais voltar.
Nada me resta, nem sonhos nem memórias,
Apenas a escrita e a dor que me faz ser
Quem sou.
Tenho medo de perder a dor
Porque sempre vivi com ela,
Quem sou eu sem dor?
Sempre tive medo da mudança
E admito que odeio mudar.
O Sol caminha para o horizonte,
Onde beijará o rio e a morte
E como ele eu também beijarei
A terra e o pó.
Mas para quê a pressa?
Deixo-me ficar na varanda
Até a hora chegar.
-JM