~Gabriel~
"Bella tem cardiomiopatia dilatada."
Assim que essas palavras saíram da boca de Ingrid, tudo o que eu consegui fazer foi mover meus olhos em direção às Bella, que estava vendo os peixes, nem imaginando sobre o que estávamos falando.
Senti a mão de Melissa se desconectando da minha, e ela se sentou na cadeira. Parecia ter envelhecido anos em minutos.
Ela era médica, estava na cara que sabia o que era a doença.
Ao ver que eu estava meio perdido, Ingrid explicou:
– Essa doença afeta os ventrículos, câmaras inferiores do coração, e os átrios, câmaras superiores. Ela geralmente começa no ventrículo esquerdo, e faz com que o músculo cardíaco comece a dilatar e a ficar mais fino.. – ela suspirou – então, meio que faz com que o ventrículo se alargue de dentro para fora. Aí o problema se alastra para o ventrículo direito, e depois para os átrios, na medida em que a doença piora.
Ela fez uma pausa e anotou algo ao lado do diagnóstico e continuou:
– Quando todas essas câmaras ficam dilatadas, o coração não consegue bombear sangue muito bem, então ele acaba se dilatando ainda mais, para compensar e com o passar do tempo, o coração fica mais fraco. Dependendo da gravidade, pode dar problemas nas válvulas, arritmias e coágulos no coração...
Ela ia continuar, mas parou.
– Algo mais? – perguntei. Melissa abaixou a cabeça. Ela sabia que havia algo a mais.
– Sim. Se a doença se tornar avançada demais, ela vai precisar de um transplante de coração.
Pronto. Bastou aquilo para que eu me sentasse ao lado de Melissa. De repente, minhas pernas não suportavam mais o peso do meu corpo, e o que eu mais queria fazer era acordar na minha cama, tendo certeza de que isso era apenas um sonho.
Isso, eu vou acordar. Só acordar. Preciso que alguém me belisque, me chacoalhe, grite comigo, me faça acordar. E a primeira coisa que eu iria fazer quando acordasse era abraçar e dar um beijo em Bella, e dizer que a amo, coisa que não fiz até agora.
Depois, beijaria Melissa. E a pediria em casamento. Era tudo o que eu precisava agora.
Mas eu não acordei. Ninguém veio me beliscar, nem me chacoalhar. Eu estava no mundo real, aquilo não era um sonho. E quando percebi isso, olhei para minhas mãos, cerradas em punho; trêmulas. Geladas. Pálidas.
Movi minha cabeça para olhar Melissa, que continuava de cabeça baixa, talvez por não querer ter escutado o que escutou, talvez tão sem chão quanto eu. Mas ela era médica, seria uma tarefa bem mais fácil para ela cuidar de Bella do que para mim. Teria algo que não poderia fazer? Que não poderia comer?
Eu sou o pai dela, devia saber todas essas coisas na ponta da língua.
E de repente, desejei novamente que minha mãe estivesse aqui. Ela iria segurar minha mão fortemente e dizer: "Você não vai perder a cabeça. Vai ouvir as instruções e segui-las para aumentar a chance de vida de sua filha. E não vai deixar a peteca cair, meu querido". Ela diria num tom doce, mas firme. Me obrigando a ter a cabeça no lugar.
"Você é mais forte do que pensa, Gabriel. Tenho orgulho de você" - ela disse uma vez.
O resto do dia passou como um borrão para mim. Melissa me deixou em casa, disse que precisava ficar sozinha. Dei um beijo nela de despedida, e um em Bella, que sorria acenando pela janela do carro, nem imaginando a conversa que sua mãe teria com ela dali a pouco.
Eu entrei em casa, não me lembro se fechei o portão. Só sei que quando deitei na cama, a primeira coisa que fiz foi me encolher. Não acendi a luz, deixei tudo no escuro. Não queria algo iluminando minha vida sem luz.
Agarrado a um travesseiro, tentava segurar as lágrimas que queriam sair.
Primeiro, Mirella, minha irmã, se foi. O desgraçado que fez isso com ela morreu pelas minhas próprias mãos, e até hoje não tenho remorso por isso. Ela faz uma falta horrenda. Queria poder brigar com ela de novo, queria que papai colocasse duas velinhas iguais no bolo, enquanto cantávamos parabéns ao mesmo tempo para os dois, porque éramos gêmeos, então fazíamos aniversário no mesmo dia. Queria mamãe louca para tirar fotos e mais fotos, com sua antiga mania de revelar.
"Temos que preservar as memórias. Senão, elas simplesmente somem" - ela dizia.
Depois de perder Mirella, perdi meu pai. Ele quis ir embora, dizendo que olhar para mim era o mesmo que olhar para a filha morta, já que éramos muito parecidos. E que ele não aguentaria viver assim. Me pediu um tempo. Deixou uma guitarra, uma bateria e um caderno para mim, como forma de me lembrar dele.
"Quero que escreva seus pensamentos aqui"- ele disse - "Você tem uma mente brilhante, filho. Coloquei tudo para fora, e não se preocupe, eu vou voltar, prometo que vou, meu menino."
E foi isso que eu fiz. Usei o caderno como diário, só que para poemas, desenhos e música. A maioria das músicas são inspiradas na garota que tomou meu coração de mim no segundo em que a vi. Na garota que ultrapassou todas as barreiras e os guardas do meu coração e levou ele embora de mim, colocando-o no seu peito e me deixando completamente dependente daquela menina curiosa, apaixonada, estressada e inteligente, que era ela.
E também a perdi. Com as merdas que fiz.
Depois, perdi minha mãe. A pessoa que passava a mão em minha cabeça, não importava o que eu fizesse. A pessoa que eu sabia que se o mundo todo estivesse contra mim, ela estaria com o escudo pronto, do meu lado, pronta para enfrentar esse mundo todo. Pronta pra me proteger.
Eu não iria aguentar tudo isso. Não era de ferro. Era apenas um ser humano. Se eu cair, eu sangro, se eu cair, eu quebro.
Sou só um ser humano.
E agora, que reencontrei Melissa, corro o risco de perder minha filha.
Quando o pensamento me atingiu, não segurei as lágrimas que queriam sair. Deixei que saíssem e me permiti chorar a noite toda. Por tudo. Por Mirella, por meu pai, minha mãe, Melissa e por Bella.
E principalmente, pela família que posso chegar a não ter.
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Faz tempo que não apareço nas notas finais, né? Pois é...
Tenho uma prova fodida amanhã e são quase 11 da noite. E EU TO AQUI OEEEEEEEEEEE
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Os Opostos se Atraem? - Livro 2
Novela JuvenilDepois de conhecer Gabriel, a vida de Melissa mudou de um dia para o outro. Quase sete meses depois, ela nunca imaginaria que poderia perdê-lo de repente. Esse casal havia passado por coisas demais, coisas ruins demais, e não valia mais a pena conti...