Gabriela era uma garota normal na maioria do tempo.
Mora sozinha num apartamento alugado no subúrbio, pagando com o dinheiro que recebe do seu emprego como garçonete. Nos dias de folga ela costuma ir á praia observar as ondas. Sempre fora extremamente apaixonada pelo mar, ainda mais por ser natural de uma cidade interiorana. Entretanto, fazia anos desde que colocara os pés na agua salgada pela ultima vez.
Embora parecesse normal, Gabriela era dotada de habilidades especiais. Quando tinha treze anos, ela escalava a macieira do quintal de casa e escorregara num galho perto do topo. Até hoje não sabia como tinha feito, apenas se lembrava da sensação caindo em queda livre tão rápido que não tivera nem tempo de gritar. Nesse momento ela desejara ser um pássaro, imaginou se a gravidade servisse ao seu favor e não contra. E então, de repente, se vira suspensa no ar poucos metros do chão, como magica.
Com esse incidente Gabriela soube que podia voar. Levou muitos meses, tombos e machucados para que conseguisse dominar essa habilidade, e nunca contara para ninguém. No auge da sua fantasia jovial ela resolvera utilizar seu dom em prol de outras pessoas, e então nascera a Angel, a heroína de Santa Helena. Salvava desde gatinhos preso em arvores até pessoas encurraladas em prédios em chamas. O próprio Peter Parker da vida real.
A única diferença entre o herói da ficção e a heroína da realidade era que na ficção o homem aranha sempre vencia, sempre salvava seus entes queridos e o mundo do caos e destruição. A vida real de Gabriela, contudo, não havia lagartos escamosos nem vilões surreais. Assim como nem sempre conseguia salvar a todos, nem mesmo os que deveria salvar.
Ela se recordava perfeitamente da morte de seus pais. Eles a tinham arrastado para uma de suas habituais viagens de Janeiro no último ano. Embora tenha ficado receosa sobre folgar a Angel pelo final de semana inteiro, ela acabara concordando ir após muita insistência de sua mãe. No segundo dia de viagem ela conhecera um rapaz bonitinho que estava hospedado no hotel. Ele a convidara para um encontro à noite, por esse motivo dispensara se juntar aos pais no passeio na lancha que alugaram.
Gabriela não soube dizer em qual momento do seu encontro vira as chamas consumindo o barco dos seus pais ao longe no horizonte. Deixara o cara para trás no mesmo instante e voara em direção ao incêndio, não se importando em expor a Angel. Como não vira qualquer sinal dos seus pais na proa, deduzira que eles tinham se jogado no mar. Mergulhara na mesma hora que a explosão fragmentara a lancha inteira.
Seus pais, no entanto, continuavam desaparecidos. Gabriela os procurou até os policiais costeiros aparecerem e a tirarem do mar forçadamente. Mais tarde soubera que eles, tanto seu pai quanto sua mãe, nunca deixaram a lancha. Ficaram presos na cabine, sufocaram até a morte com a fumaça enquanto o barco se consumia.
Depois desse dia, Santa Helena nunca mais teve sinal da Angel.
Com o passar dos meses Gabriela começou a se torturar menos com a culpa. Mudou-se para outra cidade, arrumou um emprego, construiu uma vida normal como qualquer outra jovem de vintes anos. Não pensava na Angel até Max aparecer.
Max era um garoto pequeno, com grandes olhos assustados, embora portador de uma coragem que Gabriela nunca vira antes. Quando ele batera em sua porta naquela noite, pedindo ajuda para encontrar a mãe, ela imaginou que houvesse simplesmente perdido o caminho de casa. Deixou que entrasse então, surpreendendo-se enquanto o menino contava que sua mãe havia sido sequestrada.
- Você precisa procurar a policia, Max. Eles que podem te ajudar. Não eu - dissera ao garoto, desconfiando da sua resposta antes mesmo que ele dissesse:
- Mas você é a Angel!
Gabriela não soube como ele tinha conhecimento disso. De qualquer forma lhe explicou que a Angel não existia mais e o aconselhara que buscasse as autoridades. O garoto insistira, chegou a oferecer dinheiro, puxando várias cédulas do pequeno bolso do seu casaco.
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Uma heroína chamada Angel
Short StoryA Angel - famosa heroína da pequena cidadezinha de Santa Helena nasceu quando Gabriela, ainda pequena, descobriu que tem uma habilidade bastante incomum. Ela pode voar. Durante boa parte da sua juventude então, ela se revezou entre Angel e Gabriel...