Nunca quis que uma viagem jamais chegasse ao fim. Normalmente eu não gosto de surpresas, e essa viagem tem sido uma surpresa atrás da outra. Mas desde que ele entrou na minha vida tudo mudou. E pensar que no começo eu o odiava.
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Os seus olhos foram a primeira coisa em que eu reparei. Mesmo de longe eu consegui ver que eram de um cinza tempestuoso que me lembravam muito um furacão, prestes a destruir tudo o que cruzasse o seu caminho. Ele não me olhou, obviamente. Isso foi reconfortante. Mesmo que andasse despreocupado, sua postura e a rigidez em seu olhar me diziam que assim que nossos olhares se cruzassem, eu seria sugada pelo furacão e iria parar muito além de onde já estive e muito mais do que machucada.
Só consegui observá-lo por alguns segundos, mas esse pouco tempo foi mais do que necessário para que eu percebesse que me apaixonaria por ele e que ele se tornaria o centro do meu universo. Mas isso tudo ficou encoberto pela estranha raiva que eu passei a sentir, assim que ele escapou do meu campo de visão.
Capítulo 1
E do nada aparece ele. É o terceiro dia seguido, mesmo que seja em horários parecidos, não pode ser coincidência. Observo o caminho até a escola há mais de um ano e de repente, ele brota para atiçar a minha curiosidade e estragar a minha rotina mais do que normal. Quem me conhece sabe o quanto eu odeio surpresas, e ele é uma. Uma coisinha indesejada que está me deixando estranhamente inquieta e que anda me incomodando demais.
– Que coisa mais chata! – exclamo chateada e enfurecida ao mesmo tempo. Meu pai se sobressalta com o meu rompante. Que dó dele, estava tão relaxado, curtindo a música. Mas não dou muita atenção a isso e continuo encarando o garoto.
– O que foi filha? – ele pergunta meio preocupado.
– Aquele garoto! – aponto com raiva para o dito cujo.
Enquanto isso o garoto continua o seu caminho tranquilamente ou quase. Bem que ele podia olhar para mim, assim eu conseguiria transmitir para ele toda a minha raiva pouco contida e fazê-lo mudar de rota. Isso já está me incomodando excessivamente.
– E o que ele fez? – meu pai indaga agora muito sério.
– Ele não deveria estar ali. Ele está mexendo com toda a minha rotina e está me deixando louca desde que apareceu. – argumento, fazendo gestos exasperados com as mãos e ficando com mais raiva ao perceber a calmaria com que ele anda.
De início meu pai não fala nada, mas depois de um tempo refletindo, a sua risada estrondosa quebra o silêncio do carro.
– Filha, você tem de estar brincando comigo! – ele fala depois de um tempo rindo. – É por isso que você ficou irritada a semana toda? Por causa de um simples garoto andando na rua? – ele pergunta ainda rindo e um tanto aliviado.
– Não é um simples garoto, é uma pessoa indesejada, que está atrapalhando toda a harmonia da minha rotina e quebrando a minha paz. Isso não é pouca coisa, o simples fato de ele sequer existir, muda tudo. – falo me sentindo até meio poética, mas meu pai nem presta atenção à essa parte "poética".
– Você está fazendo tempestade em copo d'água. O fato de ele cruzar o seu caminho não interfere na sua vida, o mundo não gira ao seu redor. – ele ri novamente, depois de me dar esse sermão.
– Eu sei que não gira pai, mas ele não pode ficar ali, ele tem que fazer outro caminho, conseguir uma carona, um disco voador, qualquer coisa, contanto que ele suma, eu não ligo para os meios como isso irá acontecer. – falo, observando a imagem do garoto pelo retrovisor, enquanto ele fica para trás e o carro avança rapidamente até o seu destino final.