14º Capítulo

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- Onde estamos? - perguntei, quando percebi que ele não iria ligar o carro para sairmos dali.
- Em um lugar onde costumo ir, quando preciso pensar... - ele abriu a porta do carro e nem esperou eu comentar algo, já levantou e começo a sair - É melhor você correr, a chuva está forte!
Ouvi o som da batida da porta se fechando, e vi Matt correr pela chuva, até uma área coberta, que parecia ser a entrada de um bar. Ele estava parado, olhando para o carro, fez um movimento com a mão direita, como se me convidasse para correr até ele. Eu não queria sair do carro, na verdade, não queria estar ali com Matt, tendo aquela conversa, talvez  em algum outro momento eu iria adorar estar ali. Mas não tive escolha, o seu sorriso era o mais convidativo e otimista que já vira, ele realmente estava tentando me animar, e darei essa chance a ele.
Sai do carro e corri até Matt, escorreguei e por pouco quase cai, mas me vi sendo segurada pelos braços de Matt. Um vestígio de risadas soaram de nós, e pude perceber que estar ali com ele, não parecia a pior coisa do mundo.
Observando a entrada do bar onde estávamos, pude ver um letreiro enorme, piscando em luz amarela fluorescente, escrito "BATCAVERNA", eu quis rir lendo aquilo, mas me segurei. A fachada era velha, a tinta já não se dava para distinguir a cor, acredito que a uns vinte anos atras, quando fora pintada, era preta com detalhes amarelo, mas hoje parece que está tudo cinza. Olhando toda aquela coisa acabada, esperei que por dentro, pelo menos tivesse um banheiro limpo.
Matt parecia animado, cumprimentou o senhor de idade que estava sentado próximo a porta, entregando uma espécie de fixa, só percebi que era uma comanda quando ele me entregou uma também. A comanda também era um tipo de cardápio, estava começando a ler, quando Matt a tirou de minha mão e guardou no bolso.
- Hey! - indaguei.
- Você é minha convidada. - ele brincou e guardou nossas comandas no bolso.
Não discuti, até porque mesmo que quisesse muito pagar por qualquer coisa que consumisse ali, não teria um mísero dólar para pagar.
Matt parecia tão familiarizado com o local. Quem o visse, nunca imaginaria que um menino que tem cara de playboy mimado frequentaria um lugar desse tipo.
Passamos por um corredor estreito, que foi formado pela parede e uma mesa de sinuca até que bem conservada. A mesa era grande demais para o local onde estava, o que dificultava a passagem, caso alguém estivesse jogando, que dava acesso a um salão pequeno, com algumas mesas mal espalhadas.
- Sente aqui! - Matt apontou para uma mesa amarela, de plástico, que acompanha um conjunto de quatro cadeiras brancas - Já volto.
Obedeci, sem pestanejar. Ele foi até o balcão, onde outro senhor, ainda mais velho que o que estava na porta, limpava uns copos. O cabelo grisalho e a barba por fazer, davam ao senhor um ar de cansado, ou até mesmo acabado.
Mas assim que o senhor percebeu a presença da Matt, um sorriso gigantesco iluminou seu rosto. Ele parou o que estava fazendo e atravessou o balcão para dar um abraço carinhoso em Matt.
Aquela cena me fez perceber, como julgamos mal as pessoas. Aquele sorriso no rosto do senhor, o fez rejuvenescer quinze anos, lhe dando alegria e vitalidade.
Matt e ele trocaram algumas palavras, antes que olhassem para a mesa, como eles já haviam percebido que eu estava olhando para eles, dei um leve aceno e tentei abrir o melhor sorriso que consegui, mas só saiu um sorriso de canto. Talvez esse seja o melhor que eu possa fazer.
O senhor voltou para trás do balcão, pegou dois copos e serviu algo, que não consegui identificar. Matt sorriu e agradeceu, então começou a caminhar para a mesa onde eu estava, com os dois copos na mão.
Ele colocou os copos sobre a mesa e sorriu quando sentou a minha frente. Começou a degustar o que continha em seu copo, enquanto o que eu deduzi que era meu, continuava intacto. O suor que escorria por fora do copo, acusava a bebida de gelada.
O Matt só podia estar brincando com minha cara. Me trouxe para um bar sujo para beber mais? Não basta tudo que aconteceu na casa de Jack J, ele não percebeu que eu e bebida não termina bem?
- Você me trouxe para um bar sujo, caindo aos pedaços, para beber? - só depois de falar, percebi que minhas palavras haviam sido fortes demais.
- Beba! - Matt não esboçou nenhuma reação ao que eu disse, parecia que nem havia escutado, ou se escutou não deu a mínima bola.
- Você ouviu o que falei? Não vou beber, chega de álcool!
- Beba! - ele insistiu, ainda com a mesma calma de antes.
- Matt, sério, não insista, eu preciso ir pra casa! - comecei a levantar, mas a mão firma de Matt em meu pulso me impediu de dar qualquer passo.
- Beba!
Depois desse "beba", calmo demais, eu quis era colocar toda aquela bebida na boca e cuspir na cara dele. Peguei o copo na mão, que estava livre da mão de Matt, e dei um gole, só para ele calar a boca, depois disso eu iria embora, para nunca mais encontrar nenhum daqueles meninos de novo.
- Isso é... - o gosto adocicado e ao mesmo tempo meio amargo me deu um choque.
- Chá gelado. - ele completou e tentou sorrir.
Senti o peso das palavras que eu havia dito, e principalmente o peso do que pensei em fazer com Matt, que só estava sendo gentil e tentando me ajudar.
- Desculpa... - minhas mãos que estavam rígidas, amoleceram, senti a mão de Matt afrouxar em meu pulso, e sentei novamente.
- Você achou que te traria para um bar para beber? - foi irônico.
- É o que as pessoas costumam fazer em bares, certo? - brinquei, e consegui arrancar um sorriso dele, o que já fez valer meu pedido de desculpas.
O clima ia ficar pesado se deixasse que o silêncio entre nós tomasse conta. A chuva batia com força nas telhas do telhado, o que deixava o barulho alto, até mesmo para quem estava dentro do bar, que no caso era eu, Matt e os dois senhores que Matt cumprimentou.
- Por que me trouxe aqui? - não pude negar a pergunta.
- Quando eu me sinto muito pesado e com muitas coisas na cabeça, venho aqui, sento nessa mesa, e fico tomando essa bebida super forte - apontou para o copo -  até que tudo passe e volte a ser calmo.
- Então é o seu lugar especial? - me senti bem por Matt me trazer em seu cantinho especial, mesmo que seja um bar velho.
- Sim, esse é meu lugar especial... - ele pareceu pensativo - Não julgue pela aparência, esse é um ótimo lugar para pensar!
- Jamais faria isso! - voltei a ficar mal, pelo fato de não conseguir parar de julgar o lugar onde Matt depositara tantas memórias e pensamentos.
O senhor que estava atras do balcão começou a se aproximar, com um jarro nas mãos. Suas mãos eram trêmulas, e parecia que ele não aguentava o peso do seu corpo somado com o da jarra. Ele chegou a mesa, abriu um sorriso largo para mim, que não pude evitar, retribui, mas não com tanta felicidade.
- Crianças... - colocou o jarro na mesa e finalmente chamou a atenção de Matt, que até agora não havia percebido a presença do senhor - Bebam com moderação!
- Vovô! - Matt não retribuiu o sorriso do velho - O senhor não devia trazer isso aqui, eu lhe disse que buscava, era só avisar quando estivesse pronto.
Vovô. Então o senhor que eu havia julgado como velho e acabado era o avô de Matt, que agora de perto, pude ver que esbanjava simpatia e vontade de viver.
- Meus clientes não vão até o bar pegar o que beber, eu os sirvo! - o senhor retrucou, não gostando nadinha da bronca que recebera.
- Não vou discutir com o senhor, não adianta em nada mesmo... Só tome cuidado! - Matt advertiu.
Percebendo que eu estava totalmente sem entender nada, Matt resolveu me apresentar:
- Vô, essa é Callie, uma amiga... Callie, esse é meu avô, o teimoso Brandon, que vai sempre fazer tudo ao contrário do que você pedir.
- Garoto, tenha modos, olha como fala de mim para sua namorada. Ela vai achar que sou um velho maluco! - senhor Brandon deu um beliscão no braço de Matt, que riu da situação.
- Não somos namorados, mas é um prazer conhecer o senhor! - estendi a mão para cumprimentá-lo, mas ele a ignorou, e partiu para me dar um abraço apertado e aconchegante.
Olhei para Matt, que só dava risada e mexia os ombros, com quem dizia "não posso fazer nada".
- É um prazer senhorita, quando você e esse bestalhão que tenho que chamar de neto se assumirem, vou poder contar para a família que eu soube primeiro que todos! - ele apertou minhas bochechas, como se eu tivesse dois anos - Por favor, não demorem para assumir, não sei guardar segredo...
- Mas é que não somos namorados... - Senhor Brandon me ignorou totalmente.
- Deixa! - Matt me interrompeu, tocando na minha mão, para que eu prestasse atenção nele, e o senhor Brandon não conseguisse ouvir.
- Tudo bem! - dei uma risada, que a poucos minutos achei que jamais conseguiria.
- Mesmo que você tente fazê-lo entender que não estamos namorando, ele vai continuar falando que somos! - Matt riu, como se lembrasse que ele já tivesse feito isso antes - As vezes acho que ele faz de propósito, para zombar da minha cara e me ver desesperado para fazê-lo entender algo... - agora foi minha vez de rir.
- Talvez sua cara de desespero vale a brincadeira! - zombei, rindo.
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