O primeiro problema que nos apareceu foi como chegaríamos até à cidade, que, por estar no meio do rio, se tornava um tanto quanto inalcançável.
— Poderíamos tentar nadar — sugeriu Pedro, sem muita convicção na voz.
— Não creio que seja possível, infelizmente eu nado como uma pedra — gesticulei minhas mãos encenando uma pedra caindo e afundando.
Pedro me olhou de maneira compreensiva e franziu o cenho numa expressão pensativa. Odiei ser um fardo naquele momento, mas não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso. Me sentei numa pedra, tentando encontrar uma solução para aquele problema, mas não consegui pensar em nada realmente promissor. Pedro andava de um lado para o outro com a expressão séria, aparentemente tão sem sucesso quanto eu.
Me levantei e entrei um pouco no rio. A água estava na altura do meu joelho e estava gelada, me abaixei e peguei uma pedra, achatada e arredondada como um disco, e a lancei. Ela quicou quatro vezes na superfície da água e depois afundou num baque surdo. Repeti esse ato algumas vezes, sem saber bem o porquê. Então ouvi um barulho repetitivo, como se algo se chocasse com a água em intervalos regulares de tempo. O barulho ficava mais alto a cada segundo, Pedro estava atento, e, tentava assim como eu, achar a fonte daquele som.
Agradeço a Shai até hoje por aquela lua cheia. Ela iluminou o barco de pesca, facilitando e muito a nossa vida. O barco tinha uma roda d'água que gerava o barulho que ouvimos; era meio gasto, com a pintura descascada e com algumas marcas de ferrugem aqui e ali, ainda assim seria a ajuda perfeita para chegarmos à cidade. Me pus a gritar a plenos pulmões, tentando chamar a atenção do barqueiro. Ele nos escutou e manobrou o barco em nossa direção.
— O quê vocês dois estão fazendo na beira do rio a essa hora da noite? — perguntou um velho senhor dentro do barco. Tinha a pele curtida pelo sol, a cabeleira e a barba brancas e desgrenhadas, e mantinha um dos olhos fechado todo o tempo; seu sotaque era carregado, e foi fácil perceber que era uma pessoa simples e de bom coração.
— Acabamos de chegar e precisamos de uma carona até a cidade, estávamos pensando no que fazer quando o senhor apareceu — expliquei, já dentro do barco. — Parece que o senhor foi enviado por Shai para nos ajudar.
— Pode ser — ele disse com seu sotaque carregado, depois soltou um risinho de verdadeiro contentamento. _ Estava voltando pra casa, vocês dois deram sorte, depois do que aconteceu o pessoal tem evitado passar por aqui.
Meus ouvidos pareceram estalar ao ouvir aquilo. Tomada pela curiosidade, decidi tentar obter mais informações.
— Como assim? O que foi que aconteceu?
— Deve ter sido há umas duas noites atrás — o velho meneou a cabeça —, os pescadores estavam voltando pra casa. Houve um escarcéu, uns barulhos que ninguém da cidade havia ouvido antes. Ninguém conseguiu ver nada, mas no outro dia de manhã, voltamos até a beira do rio, havia muitas pegadas; pegadas que nenhum de nos aqui das redondezas soube reconhecer. Elas rumavam em direção às montanhas.
Com certeza devia ser a horda de demônios que havia atacado Toca Celeste. Isso ficou claro na minha cabeça assim que o velho falou.
— Seja o que for, espero nunca descobrir — o velho fez um gesto com a mão no peito que entendi como sendo algo para afastar o mal. Aquele ato não me foi nenhum pouco estranho, a maioria das pessoas mais velhas era ou supersticiosa, ou muito religiosa, às vezes as duas coisas ao mesmo tempo. De todo modo, aquela atitude era compreensível, supersticiosa ou não. Mesmo eu não gostaria de me encontrar outra vez com aquelas coisas medonhas.
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Vermilion - A sociedade das máscaras
Fantasia3° lugar no concurso de Fantasia Heroica do Concursos FantasiaBR A vida tranquila de Alexa passa por um reviravolta quando uma invasão chega à sua aldeia. Criaturas que ela nunca havia visto antes, trazem a destruição ao seu amado vilarejo, deixando...