Prólogo

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Era o primeiro dia de neve. A neve só caía sobre o reino de Totten uma vez por ano, sempre durante o último mês e era sempre um evento memorável, mas temido. O frio branco trazia consigo as forças do Bosque de Antazes, lugar misterioso e conhecido por ser o cenário de eventos sobrenaturais e inexplicáveis que deixavam todo o povo atemorizado. Antazes - ou o Bosque Sangrento, como era popularmente conhecido - estava sob o domínio das forças místicas de um poderoso e belo mago, de quem ninguém nunca viu o rosto e que mesmo assim era ainda mais conhecido do que o próprio rei. Desde pequenas, as crianças aprendiam a estremecer à menção de seu nome e molhavam suas camas ao ter pesadelos onde o mago as visitava com suas criaturas horrendas. As mulheres tinham uma preocupação diferente. Os boatos sobre a beleza irresistível do mago eram quase tão fortes quanto os boatos sobre sua maldade, e isso preocupava as mulheres de coração quente, suscetíveis aos encantos proibidos do homem místico. Os homens temiam por suas vidas, já que tentar enfrentar o mago era como cometer suicídio.

Apesar do mau agouro trazido com o vento frio do primeiro dia de inverno, o reino de Totten não estava sucumbido ao medo. Não totalmente. No palácio, dentro dos aposentos reais, o milagre da vida acontecia. Junto aos primeiros e fracos raios de sol, ouviu-se o choro do primeiro filho do casal que governava o reino. Um frágil e belo príncipe, orgulho instantâneo para seus pais e para todo o povo que via agora um futuro garantido para Totten. O príncipe cresceria, aprenderia a ser um rei e futuramente daria continuidade à busca pela prosperidade de sua terra.

Ao menos, era isso que todos esperavam.

De dentro das profundezas do Bosque de Antazes, o mago assistia ao júbilo da família real através de uma pequeno espelho mágico adornado com ouro e pedras preciosas, que sempre carregava com consigo. Era o espelho de El-el, que permitia a seu portador ter um vislumbre de qualquer ser vivo em qualquer lugar do mundo a qualquer momento. Empoleirado em sua cadeira de ferro, o mago não estava contente com o que via.

- Mestre War! - chamou a voz estridente e evidentemente feminina de Lulu Lian. O bater de suas asas leves e compridas chamou a atenção do mago por um momento, enquanto o falcão fêmea adentrava a caverna debaixo de uma árvore, onde viviam.

O mago War levantou o braço para que Lulu Lian pousasse e voltou a fitar o espelho de El-el.

- É um príncipe - disse Lulu Lian. - Acaba de nascer e parece saudável.

War esboçou um sorriso desdenhoso.

- Patético - sibilou.

Os olhos âmbar de Lulu Lian o analisaram. Ela o servia há mais tempo do que podia se lembrar, mas nunca o vira com esse sorriso antes - nem mesmo quando ele a transformou no que ela era hoje. Mestre War sempre foi desprovido de emoções humanas, mas parecia cada vez mais próximo delas desde que começou a fazer uso do espelho. Lulu Lian não sabia dizer se isso era uma coisa boa.

- Chame por Marsala e Orion - ordenou o mago, levantando-se da cadeira de ferro. - Tenho uma maldição para lançar.

Sem pestanejar, Lulu Lian alçou voo e chamou por seus companheiros e também servos de Mestre War: Marsala, o grifo negro, e Orion, o lobo cinzento. O mago montou o grifo e partiu pelos céus em direção ao reino, seguido pelo lobo e pelo falcão fêmea. Era noite quando chegaram ao palácio de Totten e, através da magia de War, passaram pela guarda com facilidade.

- Esperem por mim aqui - ordenou o mago, deixando seus servos animais no largo pátio de pedra quase todo coberto de neve do palácio.

War vestiu seu capuz negro como a noite e, mesmo sendo atacado pelas afiadas lâminas dos guardas reais que tentaram impedi-lo de prosseguir, não foi ferido. Cruzou salões, subiu escadas e atravessou portas com uma calma sobrenatural, sem pressa de chegar ao seu destino. Estava se deleitando com a expectativa de lançar uma nova maldição. Já fazia séculos desde a última. Enquanto abria as portas largas de madeira dos aposentos reais, War se perguntava que animal usaria como maldição dessa vez.

A Raposa [VENCEDOR 'THE WATTYS 2018']Onde histórias criam vida. Descubra agora