Capitulo I - A Roseira

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A roseira ficava em frente à janela do quarto das crianças.

Era muito antiga. Seus galhos subiam pela treliça e eram fortes como um punho de adulto.

Sempre no mês de maio enchia-se de flores cor de rosa bebê. Cheirosas!

Não eram grandes ou vistosas. Eram simples rosas cor de rosa, daquelas que quando abre nos mostra seu interior, cheio de pozinhos e segredos.

Quando passava perto dela ou abria as janelas o perfume era embriagante! Eu mesma ficava ali, saboreando aquele cheiro delicioso. Chegava a ficar tonta!

Uma vez perguntei a ela quantos anos tinha e ela me respondeu que tinha o tempo daquela casa. Tinha sido plantada pela primeira dona.

Gostava de conversar. Sentava-me na beirada da janela e ficava horas batendo papo, ouvindo suas histórias.

Um dia ela me contou um segredo.

Sabe porque me encho de flores quando chega o mês de maio?

Não, me conta!

Sei que o tempo de vocês é um outro tempo, contado pelo relógio. No meu tempo, quando esta casa foi construída e eu fui plantada com muito amor, minha dona acreditava em fadas e no primeiro dia da lua cheia de maio pegava o orvalho que se formava nas pétalas de minhas flores e antes do sol nascer pingava uma gotinha em cada miolinho das rosas abertas.

Verdade? E o que acontecia?

As rosas com as gotinhas de orvalho se fechavam segurando a gotinha lá dentro, e quando o sol nascia surgiam fadinhas. Era muito lindo me ver rodeada de fadinhas. Elas alimentavam-se do perfume de minhas flores e à noite dormiam abraçadas pelas pétalas das rosas abertas.

A velha roseira me pareceu muito triste ao contar aquilo. lembrei que estávamos em abril. Logo seria Maio.

Me ensina a fazer isso? Colher gotas de orvalho e fazer fadinhas?

Não sei se vais conseguir. Precisa acreditar muito! Não sei também se a minha dona tinha alguma outra coisa que colocava no orvalho.

Como posso saber?

Procure no sótão. Ela morreu muito velinha. E teve uma filha que não acreditava em fadas. Tinha medo. Pobrezinha.

Naquele dia mesmo sai da janela e fui direto ao sótão. Lá tinha muitas coisas velhas. Sofá, cadeiras antigas, um toca discos, vários discos de vinil, muitos livros encaixotados, um espelho enorme oval com moldura de ouro e um baú.

Eu nunca tinha visto aquele baú. Nem nada parecido. Nem em histórias que minha avó contava.

Era um baú enorme, de couro, reforçado por presilhas de prata que brilhavam no escuro. Ao redor dava para perceber uma nuvem de pó colorido, que virava poeira assim que saia do raio de sol que entrava por uma fresta do telhado.

Ao me aproximar percebi que o baú tinha uma corrente ao seu redor e um cadeado preto que me fez arrepiar só de olhar. Tinha dois buracos, como se fossem olhos. Onde estariam as chaves que o abriam?

Não tive coragem de colocar a mão. Nem de chegar muito perto. Parecia vivo!

Continuei a olhar ao redor e encontrei uma escrivaninha de madeira cheia de gavetinhas. Com certeza eu queria olhar uma por uma. Abri a primeira. Dentro tinha muitas folhas escritas em uma letra bonita.

Puxei uma cadeira. Sentei e comecei a ler. Era a história da minha antepassada, dia a dia, em seus últimos dias. Li aquilo e chorei. Chorei muito pela solidão que sentia quem escreveu aquelas palavras.

Passei horas lendo e conhecendo a história de uma mulher chamada Helena.

Fui escrafunchando uma a uma das gavetas e entendi a ordem. Começava da direita para a esquerda subia para a outra fileira da esquerda para direita e assim fazia um s.

Abri a última. A bem embaixo à direita.

Nela estava a planta da casa, o esquema do jardim, dos quartos, das roseiras, cada uma com um nome. Embaixo da janela das crianças eu li: Roseira das fadas. Tive a certeza que estava no caminho certo.

As folhas descreviam a felicidade de Helena e de seu marido Afonso ao construírem seu lar.

Helena adorava flores, ervas, plantas, árvores, e Afonso criava cavalos de raça árabe.

Em alguns trechos eu lia: "Estamos no mês de abril, já fiz todos os rituais preparativos para a lua cheia, mas Afonso falou que sua mãe vai vir nos visitar em Maio - Será que vou conseguir fazer a coleta? Preciso arrumar o quarto dos fundos para que ela não perceba o que vou fazer..."

Totalmente alienada do que acontecia ao meu redor,nem percebi as horas. Devorei cada palavra escrita por Helena, até chegar o mês de Maio.

Meu traseiro doía. A cadeira era muito desconfortável.

Afastei a cadeira de madeira e com dificuldade arrastei uma velha poltrona de veludo coberta por um lençol branco.

Tirei o lençol e me acomodei.

" Hoje a Roseira das fadas amanheceu coberta de flores. È lua cheia, preciso me preparar para colher o orvalho mas minha sogra não pode perceber.

Não consigo encontrar meu livro de encantamentos. Preciso dele."

Ai, então tem realmente mais alguma coisa na criação das fadinhas.

Será que eu encontro o tal livro de encantamentos?

Passei os olhos pelas estantes abarrotadas de livros mas nenhum me chamou a atenção.

Fiquei frustrada, mas pensei comigo que Helena jamais deixaria seu livro exposto assim, a olhares indevidos.

Continuei lendo.

"... não posso fazer nada sem meu livro de encantamentos. Minha sogra chegou e a primeira coisa que falou foi de como minha roseira estava florida. Quase tive um enfarte. Não coloque seu olho fedorento em minhas rosas, pensei. Ela tem um olho preto que me da arrepios.

Achei meu livro, estava dentro do meu baú. Acho que guardei lá para ninguém ficar lendo o que é meu. Nem Afonso sabe o que escrevo ali.

Nada demais, apenas umas receitas antigas que minha avó ensinou, alguns encantamentos e uns segredos. Tenho também ali uns unguentos para bicheira de cavalo, para bicho de pé e umas rezas de benzimento contra mau olhado e contra quebranto. Será que devo benzer minhas roseiras?"

Bingo! Então era isso. Preciso achar este livro agora, pensei.

Antes preciso comer alguma coisa, urgente.



A Roseira das FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora