Sei que estou meio velho para viajar com os meu tios, mas não tive muita escolha. Tem sido uma época estranha dentro de casa. Meus pais não param de discutir;tudo é motivo para brigas que não acabam enquanto eles não esgotam todo o estoque de gritos.
Por isso, quando tia Vera me chamou para passar parte das férias em Iriri, na casa que ela e meu tio alugaram, não pensei duas vezes.
Mas é claro que sem os caras tem sido bem chato.
Então só me resta perambular pela cidade, montado em minha bicicleta velha, tentando esquecer aquela carta maldita que tem feito minha mochila xadrez pesar uns cem quilos-figurativamente falando, claro.
Não sei o que fazer com ela, ou melhor, com a porcaria da notícia escrita lá. No momento prefiro ignora-lá, fingir que nem existe.
Como todas as cinco manhãs anteriores, levanto cedo da cama e começo meu ritual de sempre: visto um bermudão de tactel, que serve para tudo, inclusive cair água quando me der na telha, compro pão na única padaria do lugar, deixo em casa e saio sem rumo, permitindo que meu humor me sirva de bússola.
Em cima da minha bicicleta me sinto o maioral. Ela é antiga, porém tem um design bem bacana. Corto as rua de Iriri uma, duas, vinte vezes! Mas não me canso. Melhor que me concentrar nas porcarias dos meus problemas.
E é na vigésima primeira vez que passo na frente da casa com varanda de madeira que noto um par de olhos protegido pela vidraça da janela. Não encaro. Sou um garoto orgulhoso. Mas pelo canto do olho, parcialmente escondido pela aba do boné, vejo que é uma menina.
Não tenho ideia do que está fazendo escondida dentro de casa em vez de aproveitar a praia, que fica a poucos metros dali. Está certo que é apenas uma criança e não deve ter permissão para sair sozinha. Mas há alguma coisa naqueles olhos. Curiosidade? Tédio? Tristeza? Não sei....... Tampouco pretendo investigar.
Tenho quase quinze anos. Faz tempo que meus interesses mudaram. Hoje prefiro meninas que apreciam minha companhia, não as que ainda sonham em ser princesas. E aquela atrás da janela ainda deve viver no mundo cor-de-rosa dos contos de fada, a julgar pelo brilho nos olhos dela.
Estranho. Parecem olhos molhados. A menina dos olhos molhado.
Não dou a mínima.
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A Menina Dos Olhos Molhados
RomanceBernardo é jornalista por vocação: curioso, comprometido e muito bom com as palavras. Trabalha há anos em um importante jornal da cidade e suas matérias investigativas são sempre elogiadas. Ele só tem uma limitação: odeia trabalhar em equipe. Há al...