Capítulo 1 - Turbulência

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O metal frio das algemas que apertam os pulsos de Jó parecem não lhe fazem nenhum efeito. A visita indesejada do policial que veio prendê-lo parece coroar os desastres de proporções bíblicas que lhe sobrevieram nos últimos dias.

Depois de perder seu emprego, seus bens e, principalmente, sua moral diante de todos, perder a liberdade lhe parecia ser natural antes de morrer. Aos seus olhos, tudo parece acontecer em câmera lenta. O absurdo da situação parecia lhe anestesiar as emoções.

Enquanto é algemado e conduzido, ouve ao longe o pranto de Marta e a voz de prisão do policial. Está chocado demais para ter qualquer tipo de reação.

***

Jó leva Marta a passear, como se fossem visitar alguém. Ao chegarem ao local, Marta observa, maravilhada:

- Querido, que casa linda! Parece com a que sonhamos... Olha o quintal!

- É verdade, amor, parece ser exatamente a casa que sonhamos por toda nossa vida. - Responde Jó, entrando.

Marta se assusta, perguntando porque Jó está entrando assim, sem anunciar, sem tocar na campainha. Ele não fala nada e puxa Marta para dentro da casa que, por dentro, é ainda mais linda do que ela poderia imaginar.

Ambos caminham na sala de visitas, observando os móveis e as decorações. Apesar de estar toda mobiliada, não aparenta que tenha alguém morando naquele lugar. Jó chama Marta para ver alguma coisa. Quando elase aproxima, vê um porta-retratos e, ao ver a foto nele, quase desmaia em choque...

- Mas como, Jó? Não é possível! - Fala Marta quase sem voz...

- Meu departamento tem tido excelente desempenho por diversos trimestres consecutivos e, como prêmio pela minha gestão, a empresa me deu uma pequena ajuda para financiar esta bela casa em prestações que cabem bem no meu novo salário de Gerente Sênior...

Marta dá um forte abraço em Jó. Ambos choram a felicidade do sonho realizado e enchem suas mentes com novos sonhos.

***

Ainda chocado com todas as situações que o levaram àquele ponto, Jó alterna entre momentos de uma amarga sobriedade e a embriaguez das belas memórias de poucas semanas atrás. Quando volta à si, escuta os risos dos policiais que o conduzem à delegacia e o som do trânsito quase parado.

***

Numa dimensão além dos sentidos e além da razão, vivem criaturas indescritíveis que, sem chances de lutar pelo poder do domínio ao qual são submetidas, travam batalhas sob o controle constante do Criador.

Sentado sobre o nada, uma criatura que, mesmo invisível, manifesta-se no medo e no prazer, na felicidade e na angústia, enfim... Manifesta-se no objetivo da sua rebeldia, que selou seu destino desde que se levantou contra o Criador.

Um dos seus poucos prazeres era a certeza de conseguir produzir sofrimento no Criador ao desviar sua obra-prima do seu propósito original. Os "pequenos Adões", como ele se referia aos humanos, tinham diversas visões de si e ele, propositalmente, deixava que sua imagem fosse confusa, assim como sua ação.

Aos olhos dos "pequenos Adões", ele tinha muitos nomes: Diabo, Satanás, Lúcifer, entre tantos outros. Mas, na dimensão que existe, seu nome tem pouco significado diante da sua constante luta para influenciar cada vez mais os "pequenos Adões" e fazê-los pecar.

Tinha sob seu controle outros seres, de aparência semelhante, porém portes menores e variáveis, cercam Lúcifer num alvoroço frenético, porém organizado. Esses pequenos "lúciferes", também conhecidos como demônios, não se lembram quando foi a última vez que o viram tão absorto em observação a um único humano por tanto tempo, parecendo aguardar uma reação iminente...

Clássicos Bíblicos Recontados - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora