A queda de um reinado

Carta de um humilde servo

Vossa Majestade é, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais bondosa do reino; perdoou seu caçula, Tito III, pelo pior crime que um filho poderia cometer a um pai, traição. O príncipe, como todos esperavam, pediu perdão publicamente ao pai, o qual suspendeu a ordem de execução dada ao seu filho predileto. Esse, ao meu ver, foi o pior erro cometido pelo rei em todos os anos de reinado.

Tito apenas quer a soberania do reinado, sempre invejara Abel, o primogênito qual o rei sempre desgostou pelo seu jeito "afeminado". O rei queria ter outro herdeiro, mas sentiu o gosto amargo do destino ao saber que o segundo filho era na verdade uma filha, Isabel. O gosto amargo só aumentara ao passar do tempo, vendo seu herdeiro ser derrotado pela caçula em habilidade com o manejo de espadas, diplomacia, burocracia e em táticas de guerrilha. Era, sem dúvidas, o fim de seu legado. Tudo piorou com a morte de sua esposa, rainha Manuela. O rei então passou a se preocupar com seu legado e sabia que Abel não seria um bom rei, e Isabel não poderia governar apenas como rainha, precisaria se curvar a um homem para ter a aprovação dos nobres e do povo, com certeza não seria seu legado.

Frustrado com Deus pelos filhos que recebeu e pela morte de sua esposa, dominou toda a terra e destruiu todo templo de adoração, de norte a sul, leste a oeste; o acerto de contas contra Deus cegou o bondoso rei transformando-no em um homem obcecado pelo legado de seu reinado bem sucedido. Não demorou muito para que Vossa Majestade sonhasse por ter um último filho após derrotar Deus, como ele mesmo dizia, e parece que foi o destino, pois lá estava o rei na última cidade dominada, com o último templo de pé. Ao pegar a tocha e incendiar o templo, viu jovens mulheres correrem do templo, mas uma havia lhe chamado atenção, uma linda virgem de uma religião pagã, sua beleza era extraordinária, lindos cabelos negros, como a cor que habita no céu estrelado, não perdeu tempo e a tomou como esposa, a engravidou e teve seu último e tão aguardado filho, Tito III. Antes de morrer em trabalho de parto, a mulher o amaldiçoou, dizendo que seu reino cairia perante a vingança de seu Deus. As palavras ecoaram em sua mente e o trouxeram de volta a razão. Essa foi a única marca sombria no passado do bom rei Tito II.

De volta a capital, o rei continuava com sua boa índole, tratando o povo de lugares conquistados como tratava seu povo, foi o rei que aboliu a escravidão. Parece que a morte daquela inocente lhe pesou a consciência. E assim passou o tempo, tudo ia de vento em popa, até que o rei, para preparar o caçula a modo que assumisse o reinado após sua morte, mandou cada um dos seus dois filhos mais velhos para reinar sobre as terras conquistadas, era um rei justo, mas não com sua prole. Parece que nem tudo era culpa do destino, não? E assim foi, Tito cresceu arrogante, indisciplinado, nunca sequer havia demonstrado algum sinal de respeito e afeto por seu pai e planejou o golpe de estado ao saber que o rei iria criar um torneio no qual seus três filhos participariam e, o vencedor ficaria com a coroa após sua morte. Não pensou duas vezes e conspirou contra Vossa Majestade, felizmente seu plano não deu certo e fora vencido, mas o mole coração do rei perdoara o ingrato filho. "Ele me lembra muito a mãe", o rei me dizia. Quanto mais o tempo passava, mais parecido com ela o caçula ficava.

Ao perceber que precisaria consolar o coração do velho pai para colocar seu plano em ação pela segunda vez, fez-se amoroso e bondoso, e habilidoso o garoto era, não nego. Após a poeira ter baixado, não demorou para que viesse atrás de mim. Deu-me "generosamente" duzentas moedas de ouro por todos os meus serviços prestados a coroa e pediu que me aposentasse. Obviamente seu plano já estava formado e a única coisa que impedia sua execução era eu, um dos conselheiros fiéis do rei, que não o traíra e o alertara do primeiro golpe do filho. Ele insistiu em fazer com que seus capangas me acompanhassem até minha nova e linda casa, provavelmente uma cova qualquer longe das vistas de todos. O que Tito não esperava era que eu já desconfiava de seu plano e consegui fugir, deixando registrado os fatos e minha indignação com toda a situação. Envio essa mensagem para o príncipe e a princesa, Abel e Isabel. É uma pena saber que o reinado próspero do grande Tito II cairá pelas mãos de seu próprio sangue, seu grande herdeiro; o amor incondicional ao caçula e ao seu legado o cegou e foi a sua ruína. E ainda falam que é o ódio o causador de tanta discórdia, de tanta desgraça, dá pra acreditar? Tolo foi meu rei, em não acreditar em seu fiel conselheiro e seguir seu coração. Tolo foi meu rei, mas quem pagará será a nação.

P.S: Não me procurem, estou oficialmente aposentado. Minhas condolências.

                                                                     Joaquim Zella, ex-conselheiro e antiga mão direita da coroa do grande Tito II, aposentado.

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Espero que tenham gostado, eu tenho pensado em escrever um livro completo exclusivamente para esse site, mas não sei se vou, estou em dúvida. No mais, se gostou, deixa uma estrela e um comentário pra ajudar na divulgação. :)