Já era tarde e a noite caia. O pai com uma pequena caixa em mãos entrou no quarto de seu pequeno filho e viu o garoto deitado na cama, enrolado nos lençóis e de costas para ele. Ajoelhou-se perto do menino e colocou uma mão sobre o ombro dele.
– Filho, você está bem?
– Não... – sussurrou.
– Amanhã eu vou junto à escola com você, tudo bem?
– Não, eu quero voltar pra casa antiga, com a mamãe.
O coração do pai apertou-se.
– Nós vamos ter que morar aqui agora filho, sua nova escola vai ser divertida, eu te prometo.
O filho não respondeu.
– Olha aqui o que eu trouxe pra você – tirou da caixa um brinquedo de plástico, o pai apertou um botão e o brinquedo emitiu um latido. O menino ao ouvir aquele som animou-se e finalmente saiu dos lençóis para olhar o que o pai havia trazido, mas no final sua expressão não foi de alegria.
– Não é um cachorro – disse o filho.
– O nosso prédio ainda não permite animais de estimação, mas até lá você pode brincar com esse, o que acha?
O pai entregou o pequeno cachorro mecânico para a criança. Desapontado, o menino analisou o brinquedo por dois segundos, até joga-lo contra a parede do quarto e voltar para os lençóis. Uma das orelhas do brinquedo fora quebrada.
O pai suspirou.
– Vitor... melhor você dormir, amanhã nós conversamos – disse o pai, saindo do quarto. – E você vai pra escola – fechou a porta.
A noite estava silenciosa, confortável. Vitor mergulhava em um profundo sono, abraçado ao seu travesseiro. Foi quando um vento soprou e infiltrou-se no quarto através da janela aberta, passando pelas finas cortinas, balançando os livros na estante e movendo o ventilador de teto. Circundou o quarto até direcionar-se no cachorro de brinquedo jogado no chão, o menino não acordara.
Alguns minutos se passaram e Vitor sentiu algo cutucando o seu braço, não deu atenção e nem abriu os olhos. O menino temia que já fosse de manhã e tivesse que ir para escola como o pai dissera, mas é claro que ele não iria, a não ser que fosse arrastado a força.
Mais uma vez sentiu um toque no braço, o garoto decidiu averiguar, abriu os olhos e para a sua surpresa ainda era noite. Quando se virou, não era o seu pai, mas o cachorro mecânico mexendo o seu rabinho mecânico. Vitor recuou imediatamente, até cair da cama. Levantou-se devagar para observar, e ali estava um brinquedo vivo em sua frente. O cachorro aproximou-se, de sua suposta boca que possuía somente uma pequena abertura deixou sair um post-it vermelho e começou a esfrega-lo na bochecha de Vitor, tal como uma língua. A criança inclinou o seu corpo para longe, mas o cachorro persistiu. Vitor riu e começou a acariciar a carcaça de plástico, percebendo que uma das orelhas fora quebrada por sua conta.
– Desculpa.
O cachorro respondeu com mais lambidas, abraçando o garoto da melhor forma que poderia com o seu pequeno corpo. Foi aí que o menino viu no peito do brinquedo um indicador de bateria em vermelho, sinalizando somente uma barra de três possíveis. Vitor foi até o outro lado da cama e pegou a caixa no chão que seu pai deixara anteriormente. Achou o carregador, mas não o respectivo cabo para conecta-lo ao brinquedo. A criança ficou pensativa, imaginando o que acontecera... o cachorro de repente desceu da cama, foi até a porta e ficou batendo suas patas contra ela.
– Você quer sair?
O cachorro emitiu um latido virtual.
– Mas sua bateria ta acabando.
Outro latido, seguido de uma batida com as patas na porta.
– Você sabe onde ta o cabo?
O cachorro latiu e meneou a cabeça.
Vitor foi até a porta receoso e a abriu devagar. O brinquedo saiu pela fresta e foi rumo à porta de saída da casa. O jovem o seguiu.
– La fora? Mas o papai é que fica com a chave...
A porta se abriu sozinha e o cachorro seguiu pelo corredor sem hesitação. O menino esticou o pescoço para fora e não viu ninguém. Andou a passos lentos e quando chegou ao final, viu o brinquedo ao lado do elevador, já aberto. Ambos entraram, o botão do térreo brilhou sem ninguém sequer o encostar, as portas se fecharam e o elevador desceu. Foram poucos segundos de silêncio, o jovem de pijamas e meias observando a porta de metal e o cachorro abanando a sua cauda mecânica enquanto sentado.
As portas se abriram e o brinquedo saiu no mesmo momento.
– Espera, se o tio tiver aí ele vai chamar o papai – sussurrou, mas o brinquedo não deu atenção.
Vitor prosseguiu encostando-se na parede, e quando chegou à recepção não viu porteiro nenhum. Um vento forte bateu e fez com que a única porta ali abrisse. Os dois saíram do prédio. O céu da noite era limpo e repleto de estrelas. O cachorro correu até um canteiro próximo, circular e cheio de petúnias. Vitor foi atrás, se agachou e pegou uma das flores de cor lilás.
– Eram as que a mamãe plantava...
O cachorro novamente abraçou a criança, o menino o segurou e levantou-se. Vitor então olhou para o brinquedo.
– Cadê o cabo?
O cachorro não latiu, mas cuspiu o post-it vermelho que usava de língua, que caiu no chão. Cuspiu outro amarelo, depois um verde. Súbito, muitos papéis pequenos e coloridos saíram em grande velocidade da boca do brinquedo. Vitor afastou o cachorro com seus braços, assustado. Os papéis voaram pelo ambiente e tomaram forma em um redemoinho que circulou o jovem que estava de pé no centro do canteiro. As pétalas das flores desprenderam-se e esvoaçaram com o vento. Vitor olhou para tudo aquilo de boca aberta e logo abriu um sorriso. Os post-it giravam e giravam sem descanso, até que em certo ponto, o singelo contorno da face de uma mulher sorrindo surgiu naqueles papéis, no interior do redemoinho.
– Mãe... eu to com saudades.
O cachorro latiu e outro post-it vermelho saiu daquela abertura de seu focinho, mas não voou como o restante. Você tem que ir, estava escrito no papel. Vitor abraçou o brinquedo. Os papéis ao redor formaram uma linha única e voaram para longe, dispersando-se na iluminada noite. As pálpebras do menino pesaram e ele se deitou.
Acordou e viu o ventilador de teto do seu quarto.
– O que... aconteceu? – coçou os olhos.
O pai então entrou no quarto enquanto limpava com um pano as patas do cachorro mecânico sujas de terra.
– Acordou? – disse o homem. – Poderia me dizer por que você estava dormindo no sofá da recepção?
– ...da recepção? – indagou o filho.
– Ainda bem que porteiro me avisou que você estava lá, isso há quase três horas. Eu sei que você não quer ir pra escola nova, mas sair de casa desse jeito filho? A gente vai ter que ter uma conversa muito lon-
– Eu vou ir pra escola.
– ...Você vai?
– Sim, mas posso levar ele? – apontou pro cachorro de brinquedo.
– Claro... claro que você pode – disse o pai, com um sorriso confuso, mas logo chegara a conclusão de que talvez fora o novo brinquedo que deixara ele mais feliz. – E eu pensando que você não ia gostar dele. Você viu que ele cospe papéis coloridos? – apertou um botão atrás da cabeça do cachorro, mas nada aconteceu. Apertou outra vez, nenhum papel saiu. Desencaixou o focinho do cachorro de plástico e não viu nenhum post-it ali dentro, mas apenas uma coisa.
– Ué, o que esse cabo USB ta fazendo aqui? – disse o pai.
Vitor riu.
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Meu Novo Amigo
Short StoryUma criança que simplesmente se recusa a ir para a nova escola depois de mudar para outra cidade com o seu pai, entretanto, algo acontece. Conto Infantil. Obs: Conto escrito como parte do desafio do podcast Gente que Escreve 031, com os temas: "Há q...