O trem

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Você já teve um sonho estranho?

Em toda minha vida, eu sonhei coisas estranhas, de acordo com um antigo professor de filosofia, o sonho é uma manifestação do subconsciente. E pelo que me lembro, ele se manifesta dessa maneira porque nosso consciente não aceita certas coisas, mas se ninguém pode aprisionar um pensamento, quem dirá possível aprisionar o subconsciente?

Dentre os sonhos estranhos que convivo, o mais recente e o que mais se manifesta é de um trem, e eu estou nesse trem, a porta do vagão aberto permite que eu veja a paisagem, e ela é linda. E eu estou feliz, e na paisagem eu vejo árvores, e ouço passarinhos cantando, e é um dia ensolarado. E depois desse sonho eu acordo. Feliz, e calma. Afinal, parece um sonho lindo.

Minha rotina era a seguinte: Me levantava em meio a gritarias, meus pais brigando, descia pra tomar café e nunca havia o que comer, antigamente eu ia para a casa do meu vizinho (da qual já chamei de melhor amigo), mas ele havia começado a me ignorar depois de certo acontecimento. Então eu tinha que ficar na minha casa até dar o horário de ir trabalhar, eu ficava sentada numa escadinha na frente da porta de entrada, enquanto ouvia minha mãe quebrar mais um abajur no chão pois mais uma vez meu pai a havia traído, ah, e felizmente ele era um homem calmo, apesar de não passar de um vagabundo.

Quando finalmente chegava o horário de sair e ir pro serviço, eu ia com fome, e aquele meu vizinho que chamei de melhor amigo e me ignorava, ele trabalhava comigo, e ele me acompanhava. Na verdade, ele só estava no mesmo caminho que o meu, pois não dizíamos nada um ao outro, e enquanto minha barriga roncava ele sempre devorava um sonho de creme, enquanto dizia para "ele mesmo": -Isso está muito gostoso.- Eu queria mata-lo, aquilo era terrivelmente cruel. Felizmente, eu usava o ticket refeição que a empresa dava e por isso sobrevivia. Meus pais não poderiam imaginar que eu recebia aquele benefício, eles pegariam de mim, assim como meu salário (que por acaso é equivalente a 2 salários mínimos). Eu só tinha aquilo para sobreviver. E enquanto voltava a noite do serviço, tentava demorar ao máximo, caminhadas que durariam 20 minutos eu fazia durar 2 horas. Por que eu gostaria de voltar para aquilo que chamava de casa?

Certa noite, foi diferente. Aquele meu vizinho, qual já foi meu melhor amigo e me ignorava, estava na esquina.

- VADIA.

Ele gritou, parei no mesmo instante. Eu segurava a chave de casa entre os dedos, em caso de emergência (toda garota que anda a noite faz algo do tipo, infelizmente é necessário.)

- Sai daqui, ou eu grito. Seus pais estão logo ali na janela, vão descobrir que o filho perfeito não passa de um perverso.

Ele sumiu na virada, e meu coração continuava a mil. Eu andei o mais longe possível da esquina, caso ele tivesse se escondido. E a cada passo eu quase tinha um ataque cardíaco. Quando cheguei a virada, eu pude ver ele entrando no portão de casa, e eu entrei na minha o mais rápido possível. Foi aquela a primeira vez que me senti aliviada por estar naquela casa. Devia saber que aquilo não era bom sinal.

Meus pais estavam assistindo tv, minha mãe no sofá e meu pai no outro. Era a novela, o único momento em que os dois ficavam calados. Estava calor, então tirei a blusa e joguei na mesa, até então eles não haviam me visto. Abri um armário e peguei um salgadinho. Subi silenciosamente para o quarto, mas meu coração ainda fazia tanto barulho quanto minha respiração.

Fui dormir, e novamente aquele mesmo sonho. O trem. Mas dessa vez, eu senti curiosidade pelos vagões. Então resolvi explorar. Atravessei a porta, e aquele vagão era diferente, não havia luz, mas ainda podia ouvir o canto dos pássaros lá fora, havia uma cama no canto do vagão, deitado nela estava meu vizinho, nu. Senti medo, mas ainda podia ouvir o canto dos pássaros lá fora. Então, corri para outro vagão, ele era rosa, muito rosa, quase cegava meus olhos, nele estava minha mãe com roupas antigas e fazendo comida, enquanto uma máquina de costura funcionava do lado dela, ela finalizou a comida e saiu para outro vagão. Eu fui atrás dela, e nesse vagão, estava meu pai, sentado na poltrona assistindo tv e deitada no colo dele estava uma mulher (a amante provavelmente) e minha mãe entregou comida a ele enquanto chorava. Ele pegou e deu na boca daquela mulher, e disse: -Eu fiz para você. - não podia continuar olhando, então passei para o próximo vagão, o vagão inicial, e me encontrei. O vagão do qual eu havia saído, estava outra de mim no mesmo lugar que costumava ficar, olhando a paisagem, esta se levantou e entrou noutro vagão. Fui em direção ao meu lugar, até alguém entrar. E este alguém era eu mesma. Esta disse:

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