Uma estrada para o além- incontro

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São 4 horas da manhã, continuo a me girar na cama, sento, deito, sento, viro à direita, viro à esquerda, ao contrário, viro o travesseiro, sento, deito, levanto. O tic tac do despertador me atormenta e cada minuto soa mais alto Tic Tac, TIC Tac, TIC TAC...

Duas noites em claro, com os olhos inchados e vermelhos me dirijo à cozinha para preparar um café. Adoro o café passado à moda antiga, com o filtro de pano e o bule da fazenda, herança do meu passado pueril.

Acho que ficar acordada não me faz nada bem, na realidade não faz bem a ninguém. As lembranças da minha terra transitam pela minha mente já não como fantasmas que me angustiam, mas como histórias remotas, talvez contadas por alguém que nem sequer me conhece.

Já são cinco e quinze da manhã, os raios pálidos do sol de fim de setembro banham a toalha do café da manhã, passam por entre os pães, as frutas e se mesclam com a fumaça do café. E' uma imagem perfeita e marcante onde meu olhar se fixa. Ouço passos do arrastar de chinelos e entre a névoa de luz desponta minha filha:

" Mamma, a senhora já acordou? " E eu, sorrindo, respondo: " Não Aurora, estou ainda dormindo".

Ela, com seus dourados cabelos beijados pelo nascer do Sol, sorri também para mim e me pergunta: " Queria muito ouvir novamente a história da primeira vez que a senhora chegou aqui. "

" De novo Aurora? Você não se cansa? " Não sei o motivo pelo qual ela insiste em saber deste episódio, lembrar e relembrar como vim parar aqui não tem a menor importância agora. Passaram-se 25 anos e muitos detalhes se perderam no tempo, as imagens se dissiparam e nenhuma verdade será contada como antes... mas cerrei os olhos paulatinamente e lhe respondi " sim, eu conto".

Sentamos à mesa para tomar o café e conversar. Aurora Maria era uma moça muito sagaz e sua curiosidade em relação à minha vida, ao meu país de origem, era sempre presente na sua mente. Desde pequena apresentou um forte desejo de conhecer meu passado, de conhecer a minha outra terra, as nossas raízes.

" Bom ", continuo. "Você sabe que sempre tive uma forte intuição em todos os setores da minha vida e isso me ajudou muito. O que ainda não compreendi foi se a minha intuição me deu o meu destino ou ele estava alí, esperando por mim. Sabe quando você deseja muito algo e o acaba conseguindo? "

" Sim".

"Então, talvez tenha sido assim..."

Ali está ela, com os cotovelos sobre a mesa e o queixo apoiado nas mãos, os imensos olhos verdes que me fita à espera do meu relato e eu, entre um gole de café e outro, continuo...

Parece ontem quando eu percorria a ladeira da Chã de Bebedouro* com os pés descalços atrás da vó lita. Íamos buscar água lá no poço, pois no verão de Alagoas essa escasseava. Eu descia correndo e cantando e, no caminho, sempre tinha alguém sentado na porta de sua casa que me cumprimentava, Seu João, Dona Ermecinda, ou alguém com a vitrola ligada, com a música alta.

" Diaa !"

" Bom dia Seu João! "

" Diaaa, já vai pro poço, vai minha fia? " Dizia.

" Vou"

" Cadê a vó Lita? Num tá com ocê não? "

" Tá sim, ela foi na frente. "

" E o vô Liano ? " Chamavam o meu avô de Liano porque ele era italiano, mas como você sabe, seu nome era Peppe. Aurora sorri.

" Tá lá em casa, limpando o quintal. " E então eu corria. No final da ladeira estava o poço, onde sempre tinha uma fila enorme, eu me metia na ponta dos pés para ver onde estava a vó e depois ia para perto dela. Embora eu fosse uma menina da cidade, tudo era natural, morar com meus avós em uma casa simples, no subúrbio do nordeste do Brasil não me criava problemas, eu nem percebia a diferença social ou diferença de cultura, éramos todos iguais. Acho que foi isto que me levou a compreender melhor os outros e a conseguir sobreviver e viver em outras realidades. Sentia, porém que ali não era o meu lugar, ficava horas ouvindo meu avô falar da sua terra, com o peito cheio de saudades, escondendo o rosto para não mostrar as suas lágrimas, e eu, sentia a saudade também.

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⏰ Última atualização: Apr 09, 2017 ⏰

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