Cap. 45: Perfeita Loucura

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Nota: não, gente, este não é o capítulo 45 de novo. É que o Cap anterior foi transformado em bônus e obteve seu nome alterado.

Após este breve aviso, desejo-lhes uma boa leitura. ^-^

Bjsss!!!



Precisei respirar fundo várias vezes. Mesmo que aquela fosse a milésima vez em que atravessava as cortinas vermelhas, a sensação ruim sempre tentava me afogar. Não sabia como ainda não havia sucumbido.

Os dedos de Ônix encostavam levemente em minha mão, enquanto seu outro braço continuava enroscado no pescoço da irmã. Rubi, então loira, mordia o lábio inferior, olhando para frente.

Eu só conseguia continuar sorrindo, com as bochechas já doendo. Havia tossido tanto no quarto, após o banho demorado (fora difícil deixar o cabelo branco novamente), que minha garganta ainda doía. Pensar em conversar com qualquer um, ainda mais um Frequentador, me dava arrepios de desconforto.

Prosseguimos, chegando ao salão lotado de mesas e olhares vorazes. Ônix lançou-me um último olhar tristonho, antes de sorrir falsamente e avançar para a fileira dos homens. A cada passo para longe que ele dava, sentia-me mais sozinha.

As toalhas rendadas eram da cor bege, e era apenas para isso que eu olhava. Não conseguia encarar o resto de verdade, tendo raiva dos olhares maléficos por perto. Eu poderia acabar quebrando o pescoço de algum monstro, se me concentrasse demais em seu sorriso malicioso. Internamente, torcia para isso.

Naquele dia, o cheiro da comida estava uma tortura, ainda mais para alguém que não comera nada desde o almoço (que não passara de uma sopa sem gosto). Apenas sentir o cheiro já me deixava angustiada, quem dirá ver e não poder comer. Se controle, Alessa. Pensei. Datha já anda estressada ultimamente...

De repente, ao invés de um chamado, ouvi um assobio. Olhei em volta, procurando pela origem do som, até minha visão estancar em um... adolescente.

- Posso perguntar qual é seu nome? - falou, com uma voz fina e amena que não chegava nem perto da de Ônix (que, aparentemente, possuía a mesma idade).

Durante um segundo, arregalei os olhos, totalmente confusa. O que um jovem pequeno, franzino, com cabelos ruivos encaracolados e cara de criança, fazia entre as paredes daquele local? Precisei de mais um tempo para perceber, pela sua postura dominante, pés em cima da mesa e olhos dourados solenes, que também era um Frequentador. Engoli em seco, percebendo que estava com os pulsos cerrados. Mais um monstro. Tão jovem e já tão podre... o enorme sorriso e o ar alegre retomaram meu rosto, assim que me aproximei.

- Alessa, senhor. Meu nome é Alessa. - respondi, fazendo uma leve reverência.

- Hum... Alessa... - pareceu saborear a palavra, o que quase me fez vomitar - é um belo nome.

Meu rosto ardeu. Quando Ônix dissera aquela frase, ainda antes de o conhecer direito, eu ficara com um pouco de medo, mas permanecera intrigada. A curiosidade me corrompera, e minha cabeça desejava saber como aquele garoto sem expressão, (que eu não vira em nenhum momento levantar-se da classe para talvez ter visto a lista de chamada) dissera em poucas palavras o que poucos conheciam. Ninguém em minha antiga escola decadente sabia meu nome completo, apenas o sobrenome, devido a riqueza de meu pai. Porém, ouvir o mesmo de alguém com rosto infantil e olhar demoníaco, me fazia querer correr de volta aos colegas antigos, abraçá-los e dizer-lhes: "provavelmente nem se lembram de mim, mas eu amo seus olhares cruéis". Preferia qualquer coisa do que estar ali.

- Obrigada. - respondi, de maneira travada e forçada. Logo depois, balancei a cabeça em repreensão própria. Você precisa ser uma boa atriz.

- Sabe, andei observando-a há algum tempo. - continuou, de repente parando e apontando para a cadeira à sua frente - ah, sente-se, por favor!

Assenti, posicionando-me lentamente. Os garçons de olhar baixo iriam servir o jantar em breve, e gostaria de estar o mais longe possível.

- Continuando... há dois dias, eu a vi aqui, parada na entrada e parecendo que ia correr para fora... - riu levemente, um ato totalmente hipócrita - era o que queria fazer, não era?

Arqueei uma sobrancelha, sem conseguir evitar. O garoto parecia mudar de assunto constantemente, sendo confuso e indeciso. Era irritante, além de estranho. Eu o conhecia há dois minutos e já o odiava.

- Exatamente. - respondi, antes de morder a língua com força extra.

Meu rosto, novamente, corou de maneira intensa. Encarei-o depressa, paralisando ao encontrar os olhos dourados e enjoativos. Tudo nele me fazia querer vomitar, e eu nem sabia ao certo o porquê. Então a ideia de tê-lo irritado, me atordoava.

Horror era a definição de nossa conversa.

- Desculpe, senhor. - exclamei, sentindo a toalha se mover enquanto retirava as pernas da mesa.

Seus olhos se estreitaram, e o ouro maligno dentro deles pareceu derreter. Encurvou-se em minha direção, e jurei que sua mão iria bater em meu rosto. Mas ela parou em seu peito, assim que desandou a rir.

Sua gargalhada exagerada atraiu diversos olhares, inclusive o de Ônix, que estava sentado em frente à uma mulher de meia idade. Os olhos verdes do artista se arregalaram, e ele deixou uma faísca de preocupação acender-se em sua máscara inexpressiva. O negro dos olhos reluzia com as velas, mesmo através da distância.

- Muito boa! - o anjo demoníaco exclamou, secando lágrimas imaginárias - você é perfeita!

Minha expressão tornou-se uma careta. Aquele garoto era louco? Só podia ser. Seus elogios, de certa forma, pareciam ameaças.

- Perfeitamente imperfeita. - sussurrei, para que ninguém mais ouvisse. Não queria nenhuma palavra gentil vinda daquele ser.

Eu nunca odiara alguém tão rápido. Tudo o que ele fazia, até mesmo permanecer sentado, parecia fingimento. Sua educação e cortesia eram uma máscara, sua gentileza uma fantasia. Era o tipo de pessoa que eu jamais suportara, exatamente como era Antonella. Sabia que ela estava perdida em algum lugar da Sociedade, preparada para atacar mais famílias. Parecia o tipo de coisa que aquele menino faria.

- Muito bem. - exclamou, parando suas divagações malucas - exatamente como imaginei que seria.

Ele imaginava algo sobre mim? Esse pensamento mórbido me fez estremecer, e me forcei a continuar ali.

- Obrigada, senhor... - murmurei, fazendo um esforço tremendo para tentar pôr o assunto nas regras da sanidade.

- Sim, sim. - fez um gesto com a mão, levantando-se a seguir.

Um funcionário apressado correu em sua direção, quase ajoelhando-se perante seus pés.

- Sirvam-na bem. Quero que tenha uma boa refeição. - ordenou, sem esperar resposta.

Ele, tão subitamente como todas as suas ações, curvou-se para mim.

- Boa noite, garota prefeita. Lembre-se de mim, por favor. Luigi Mangini, sempre ao seu dispor - falou, virando-se e saindo.

E foi assim que terminei sozinha, chocada e com a pior sensação da vida. Luigi Mangini.

A loucura daquilo parecia querer voltar-se contra mim. E voltou-se.


Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora