3. Bruna - Não me dei ao trabalho de cumprimentá-lo

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Não me dei nem ao trabalho de cumprimentá-lo no corredor. Sério, aquele menino é o que, um bocó? Como é que pode ele simplesmente ser um dos professores de dança do Dança das Celebridades? Sei nem se aquela criatura fala. Até parece que vai dançar na frente de centenas de milhares de pessoas.

Aquela cara enfiada nos livros o tempo inteiro. Tenho certeza de que nem sabe o nome da novela. Não tem ideia do que essa competição representa para mim, nem do quanto estou disposta a enfrentar para vencê-la. Aliás, pensando bem, o que é que esse cara quer dançando? Ele já não é tipo podre de rico?

Pelo que eu saiba, os pais são montados na grana. Empresários. As meninas da sala suspiram atrás dele sem que ele sequer perceba. Com certeza, apenas por causa disso: grana. O cara é horrível! Espinhas na cara. Se bem que ele andou fazendo um tratamento horroroso que fez a pele dele descamar inteira. Por um tempo, ficou pior ainda, mas agora está até melhor.

Não tira aqueles óculos nunca. Nem para tomar banho, acho. Digo por que dá para ver o lodo naquela partezinha transparente que serve de apoio no nariz. Eca! Eca! Eca! Mil vezes eca. E o cabelo, então? Seboso. É um negócio meio liso, meio encaracolado, o cacho ia acontecer, só que não. E tudo isso lambuzado de óleo. Credo. Que cabelo oleoso. Deve feder horrores.

Além disso é magro que dói. É daqueles caras que crescem, crescem, crescem e se esquecem de comer. Aí fica tudo meio fora de escala, de padrão, meio desengonçado. Ele é todo desengonçado. Minha vontade é cobri-lo com papel de seda e soltá-lo feito pipa como fazia com os moleques da minha vizinhança na laje da minha tia.

Enfim, só tem uma coisa que me agrada em Carlos Eduardo Meireles Dávila. Isso, nem eu consigo negar, ele é um gentleman. Educado como nunca vi ninguém na vida ser. É uma coisa que as minhas professoras de boas maneiras sempre se referiram como "berço". Não há hesitação nenhuma na sua fala, apesar da sua timidez incapacitante, na hora de dizer "por favor", "com licença" ou "obrigado". Percebe-se que é algo que lhe vem naturalmente e com uma sinceridade irritante.

Nada em seu ser nega a educação primorosa que teve. Sempre deseja um bom dia para as pessoas, qualquer pessoa, da faxineira à diretora. Nunca fala alto. Não conversa durante a aula, não atende ao telefone, nem dorme. Escuta com atenção o que lhe dizem e pede desculpas se considera que algo que tenha dito, por um acaso do destino, tenha desagradado.

Eu nunca serei como Carlos Eduardo Meireles Dávila. Eu aprendi como me comportar. Eu nem sempre me controlo. Às vezes, a periferia grita dentro de mim com uma violência incontrolável. Kadu jamais faria isso, ele nunca aprendeu a ser educado, ele é educado e ponto final.

É por essas e outras que eu não o suporto. Não suporto o fato de que ele segura a porta da sala quando uma garota vai entrar. Não suporto quando ele pergunta se um colega está melhor depois de faltar por causa de uma dor de barriga. E não suporto mesmo quando os professores o usam com exemplo de comportamento. Sério. Na boa? Não suporto ser comparada a um cara que provavelmente tem uma babá inglesa e que jamais pegou um ônibus na vida.

Será que ninguém além de mim percebe o quanto isso é degradante? Essa comparação constante. Como se todos nós tivéssemos que sair da mesma forma como perfeitos bolos de padaria. Eu sou eu. E quer saber? Não tem ninguém por mim. Nunca tive. Só minha avó. E olhe lá...

Então, como podem me comparar com esse filhinho de papai? Tenho certeza que a mãe dele ainda tasca um beijo naquela bochecha descamada todas as manhãs quando ele vem para o colégio.

E agora isso. O contato inevitável. Falta meia hora para nosso primeiro ensaio começar e eu só consigo pensar naquele cabelo seboso e naquelas mãos trêmulas encostando em mim. Juro que quando não tiver ninguém olhando nem câmera filmando, eu vou gritar de nojo. Juro mesmo. Não vou mentir...

Dona Eleonora entrou na sala. Ela é uma das donas da escola. Uma mulher belíssima. Elegante que dói de olhar. Parece que o mundo para quando ela passa. Veio me cumprimentar. Sorriso amistoso. Deu as boas vindas. Eu sorri.

Estou fazendo o gênero educadinha. Como se eu nem estivesse me incomodando de encostar naquele... Ah! Melhor mudar de assunto. Atuar é a minha arte. Se tem uma coisa que eu faço bem é mentir. Conseguiria convencer qualquer um que estou apaixonada por ele, imagina dançar. Dançar vai ser moleza.

Além disso, a mulher parece ser gente fina. Sem falar que dança que é um espetáculo. Se ela for a coreógrafa, vou ganhar com certeza, o programa e a próxima protagonista da novela do horário nobre. Não. Eleonora não tem culpa desse meu problema com o Carlos Eduardo.

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Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora