Prólogo

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Prólogo

- Dicotomia sonho e realidade, o sujeito poético sente-se prisioneiro de si mesmo. Então o sonho pode ser uma forma de evasão...

Kenan lutou para manter os olhos abertos. As aulas de Português eram dolorosas para ele, ainda mais quando se tratava de Fernando Pessoa. O professor falava numa voz monótona, o que lhe dava ainda mais vontade de adormecer.

O seu telemóvel vibrou, fazendo-o despertar um pouco. Discretamente tirou-o do bolso das calças, passou o dedo pelo ecrã, desbloqueando-o.

Jéssica:

Esta aula está uma seca.
Gostava de poder sair daqui e ir contigo para outro lugar.

Levantou a cabeça e olhou para o outro lado da sala, com um sorriso no rosto. Jéssica sorriu de volta.

Kenan:

Faria de tudo para sair daqui.

Jéssica:

Olha para os pés do professor.

Kenan olhou para os pés do professor Mateus e viu um bocado de papel higiénico colado na sola dos seus sapatos. Levou as mãos a boca e esforçou-se para não rir. Viu que Jéssica fazia o mesmo. Infelizmente para ele, o professor notou.

- Algum problema, Rodrigues?

Quando o rapaz abriu a boca para dizer que não havia nenhum, teve que a fechar novamente, pois o riso que prendia teimava em escapar. Jéssica acabou por rir alto. O professor olhou imediatamente para ela. Foi então que alguns alunos notaram também o papel higiénico preso aos sapatos de Mateus.

- Qual é a piada? – Ele perguntou furioso enquanto olhava para os alunos.

- Professor, - a única aluna da sala que não ria disse timidamente. – O senhor tem papel higiénico nos sapatos.

Ele apressou-se a tira-lo imediatamente, quando foi pôr o papel no lixo tropeçou. A turma toda riu ainda mais. Era sempre assim, o professor Mateus, no auge dos seus 33 anos, era o professor mais desastrado que a Escola Secundária Castro Ramirez alguma vez vira. Sofria nas mãos dos alunos. Não parecia um professor de Português, sempre que o viam nos corredores, ele estava apressado, atrasado para alguma coisa, a deixar papeis caírem, a ser atropelado por alunos do ensino médio, que mesmo sendo adolescentes tinham mais massa muscular que ele.

Vivia quase um inferno naquela escola. No entanto, não havia pior turma que aquela. 12ºD, a turma que mais dava dores de cabeça aos professores. Composta por vários repetentes, Mateus costumava respirar fundo umas cinco vezes antes de entrar na sala deles. Era terrível.

- Silêncio! – Bradou, furioso! Depois olhou para Kenan. – Rodrigues, isso é um telemóvel?!

Ops, Kenan achou que negar seria pior, por isso simplesmente disse:

- É o que parece. – Mais risos.

- Eu disse, silêncio! – Voltou a gritar para os alunos. – Rodrigues, dá-me isso.

- O quê?

- Dá-me o telemóvel!

- Porque é que eu vou-lhe dar o meu telemóvel? Se quer um, compre! – Mateus irritava-se muito facilmente, principalmente com o facto de Kenan o estar a olhar com ar de gozo, e de a turma toda não o levar a sério.

- Tu estás a usa-lo na minha aula, e isso é proibido, dá-mo agora mesmo, eu vou devolver-to no final!

- Tranquilo, eu não mexo mais. – Kenan riu. – O senhor é pré-histórico não deve saber como usa-lo! Não me diga que está curioso. Um bacano dos livros como você não vai conseguir mexer nele.

A turma toda começou a rir novamente. Foi então que Mateus perdeu as estribeiras, avançou para a mesa de Kenan e tentou tirar-lhe o telemóvel da mão.

- Dá-me isso imediatamente!

- Não!

Soltou um grito frustrado, estava tão cansado, aquela semana estava a ser horrível, o grito que ele deu fez com que toda a turma se assustasse. Imediatamente estava uma auxiliar a porta da sala, olhava escandalizada, para o professor que atacava o aluno.

- Senhor Professor? – Chamou ela chocada.

Ele parou imediatamente, afastou-se de Kenan e lutou para recuperar a compostura enquanto ajeitava nervosamente os seus óculos.

- Ah... ainda bem que apareceu! Eu preciso que fique aqui a olhar pelos alunos enquanto eu vou acompanhar este... - Esforçou-se para não dizer delinquente. – Aluno até ao conselho diretivo!

Agarrando Kenan pelo casaco, fê-lo levantar-se e praticamente arrastou-o para fora sala, perante o olhar chocado da auxiliar.

- Ei...ei, largue-me. – Kenan lutava para se libertar. Enquanto caminhavam pelo corredor. – Eu vou fazer uma participação contra si. Tentou agredir-me...

- Cala a boca! Tu vais ao conselho diretivo e eles vão saber o que fazer contigo! Estou farto de aturar isto! Farto!

Estavam agora a atravessar o pátio da escola, que estava vazio no momento, uma auxiliar que limpava os vidros dentro do bar. Viu-os irem quase a luta e a discutir, olhou impressionada.

- Como se fosse a primeira vez que alguém mexe no telemóvel na sua aula! – Kenan praguejou.

- Garanto que será a ultima e...

Foi então que um raio os atingiu em cheio! A auxiliar deu um grito com o susto. Tanto Kenan quanto Mateus foram projetados, cada um para o seu lado, caindo desacordados no chão.

Eles não faziam ideia da confusão que seria a partir de agora.


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