A Dama de Branco

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I

No topo de um dos planaltos, era possível ver a escuridão da noite e os feixes da luz lunar refletidos na água do mar. O movimento das ondas trazia consigo a lembrança dos meus problemas mais íntimos: desde a péssima sorte nas relações até a amargura de uma vida limitada de ajudante de pescador. Por isso, talvez, minha mente pedia por algo obscuro, nascido do ódio, da raiva e da angústia que eu guardava comigo desde pequeno. Um sentimento arrebatador, capaz de retirar minha esperança a ponto de me obrigar a esquecer de meu amor pela família: o desejo de ir embora, de morrer.

Apesar disso, minha calma aparente fazia com que ninguém percebesse, ou melhor, quem perceberia um jovem sem beleza, sem talentos e expectativas para o futuro? Enquanto o mar farfalhava em seus ruídos, eu o acompanhava em silêncio até que as lágrimas secassem em meu rosto.

"Mãezinha já deve ter terminando a janta", pensei.

Levantei-me e desci o morro, tomando cuidado com a trilha barrenta que se estendia pelo bosque rodeado de arbustos resididos por insetos, cujos zumbidos unidos à luminosidade da lua cristalina me permitiam o sentimento de que minha casa estaria à espera.

Continuei descendo e cheguei ao velho casebre de minha família. Por ora, não demorou muito para que minha mãe me chamasse enquanto segurava um vaso preenchido do sumo de frutas frescas para a sobremesa.

— Pedro, entre já, menino! — ela chamou. — Seu pai está chegando... — E deu de costas com um sorriso estampado em sua face morena.

— Estou indo! — respondi e empurrei a porta.

Ao entrar, deparei-me com a mesa coberta de peixes assados, pães e alguns vegetais frescos. Aliás, os alimentos mais disponíveis naquele monte de terra em que nascemos. Meus irmãos, mais rápidos do que qualquer animal selvagem, juntaram-se à mesa e encheram seus pratos da comida cheia de "sustança", como diria meu pai. E o que eu poderia dizer sobre tudo aquilo? Somente um dia. Somente a rotina cíclica de uma família simples.

II

Terminamos de comer e aguardamos a chegada de Marques, meu pai. O tempo passou, as nuvens escuras sobrepujaram a lua, e somente as lamparinas foram capazes de nos iluminar com a ajuda de velas abençoadas pelo Padre Cícero. Junto a isso, quanto mais esperávamos, mais a preocupação tomava forma. Quando olhei para a cozinha, era possível ver a expressão de desespero na face de minha mãe aumentada pelo vai e vem de seus chinelos de palha se arrastando contra o chão.

Aproximei-me e a segurei pelo ombro, tentando libertá-la de seus pesadelos despertos. Espantada, ela se virou, seus olhos estavam marejados e acompanhados pelo suor que escorria de sua testa e do tremor emitido por seus dedos.

— É a angústia, filho... Deus nos ajude — ela resfolegou, abraçando-me como se fosse o fim em um calor que eu conhecia desde pequeno: o calor da união.

— O que, mãezinha? — questionei, mas não recebi resposta.

Fechei os olhos e retribui o gesto tentando reconfortá-la. Naquele instante, ouvi passos se aproximando da casa. Algumas vozes masculinas dominadas por um tom lúgubre e grave chamavam pela minha mãe; pra que as nossas vidas perdessem o rumo...

— Maria, saia! Venha, por favor! — uma das vozes chamou.

Minha mãe, desprendendo-se de mim bruscamente, correu até a porta e a abriu. Minha espinha se arrepiou de cima a baixo quando vi João, um dos pescadores mais experientes da ilha, segurando alguém coberto por um lençol pintado do mais vermelho sangue, que pingava gotas encorpadas no solo.

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