A Eva Mecânica

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A paixão começa doce, e termina amarga.

Ditado popular

Quando um homem está apaixonado a única realidade que existe é aquela que ele cria em sua mente. Tornamo-nos escravos de nossos sentimentos, e não mais somos capazes de pensar claramente. A paixão entorpece, e no final arruína a vida de sua vítima. Crimes passionais, suicídios, depressão – o sentimento da paixão gera tragédias que poderiam ser evitadas, caso o ser humano se esforçasse em usar a razão para controlar suas emoções. Por este motivo não tentarei, neste breve relato que escrevo em minha cela, apontar culpados, pois reconheço que sou o único responsável pela minha sina. Meu intuito é apenas expor ao leitor as circunstâncias que levaram ao meu encarceramento. Que este documento sirva de alerta a todos os homens que sofrem com o feitiço da paixão.

Lembro-me da primeira vez que soube das ginoides. Lera numa revista do meu avô, datada do início do século 21, acerca dos primeiros modelos. Naquela época elas ainda não eram chamadas de ginoides, mas simplesmente de robôs. Aliás, nem dava para comparar as ginoides daquela época com os modelos de hoje. É o mesmo que querer comparar velhos televisores LCD com os atuais aparelhos holográficos. Olhando para as fotos entendi porque as primeiras ginoides eram apenas uma curiosidade de feiras científicas. Robôs com formas femininas, que imitavam uma mulher, e cobertos com silicone, que emulava a pele humana. Percebia-se claramente que aquilo não era uma mulher. Isso explica porque as primeiras tentativas de comercialização das ginoides resultaram em um fracasso retumbante.

Mas com o passar das décadas, a tecnologia evoluiu e as gerações seguintes de ginoides foram ficando cada vez mais sofisticadas. A grande virada aconteceu com a invenção da carne sintética, inicialmente desenvolvida para tratar de vítimas de queimaduras, e que logo passou a ser utilizada também na fabricação de ginoides. O resultado foi que se tornou impossível diferenciar uma ginoide de uma mulher de carne e osso. E não era só a aparência, ao tocá-las, sentia-se também a textura da pele humana, incluindo o calor do corpo. Embora esse novo modelo fosse num primeiro momento vendido a um valor altíssimo, que poucos homens podiam pagar, não tardou para que o preço baixasse, e, em pouco tempo, as ginoides tornaram-se acessíveis ao homem comum.

Feministas celebraram e prostitutas reclamaram. As primeiras, alegando que as ginoides haviam libertado as mulheres de uma das mais antigas formas de opressão masculina. As segundas, porque as ginoides simplesmente arruinaram o ramo da prostituição. Donos de prostíbulos começaram a dispensar suas "funcionárias" e substituí-las por ginoides. As razões são óbvias, ginoides não dormem, não precisam comer, estão dispostas a fazer sexo 24 horas por dia e realizar qualquer fantasia sexual do cliente, por mais bizarra que fosse, sem se sentir constrangida ou humilhada, não envelhecem, não menstruam, não correm o risco de engravidar, e como se não bastasse, são mais belas que as mulheres de carne e osso. Fora que ginoides não exigem pagamento do cliente e o prostíbulo pode ficar com todo o lucro para si. Embora prostitutas tenham se organizado e feito protestos contra as ginoides, isso surtiu nenhum efeito. Era o fim da profissão prostituição, pelo menos para as mulheres humanas.

Mas houve uma reviravolta quando a Corporação Saiteki desenvolveu um software que passou no teste de Turing, e criou a primeira inteligência artificial do planeta. Isso resolveu o último grande defeito: a falta de personalidade. Agora ginoides não apenas eram mulheres belíssimas e excelentes amantes na cama, como também se tornaram versadas em diversos assuntos, sendo capazes de conversar com o usuário sobre qualquer tema de seu interesse, de futebol a política. As ginoides, sempre carinhosas, sempre belas, sempre boas donas de casa e sempre dispostas a sexo, tornaram-se a mulher dos sonhos de todos os homens.

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