Meu Deus! Onde foi que eu me meti?
A minha vontade é dar descarga na cabeça da Bruna Drummond para ver se ela muda de assunto. Se ela vira o disco. Se ela presta atenção a alguma coisa que eu digo. Cabeça de vento!
Será que ela percebe que existe mais gente no mundo? Acho que todas as frases que usou nessas duas horas de agonia começaram com a palavra eu. Eu isso, eu aquilo, porque eu. Eu, eu, eu, eu. Caracas! Pessoas morrem de fome, sabia?
Perdi as contas das vezes em que respirei fundo para não lhe dar uma resposta atravessada. Não respondi, porque não quero contrariá-la. Essa é uma grade chance para a academia. Infelizmente, quis o destino que de todas aquelas celebridades esquisitas, nós ficássemos com essa maluca egocêntrica. Paciência.
Juro que pensei em desistir. Não vejo química nenhuma entre a gente. Estudamos na mesma sala e sequer nos falamos. Eu a acho grosseira e inconveniente. Não sabe se portar. Não trata bem aos professores. A não ser, é claro, que vá ganhar alguma coisa com isso.
Para o professor de sociologia, por exemplo, ela é toda sorrisos. Vive se oferecendo, piscando os olhinhos, molhando os lábios, mexendo nos cabelos. Ele nem liga. Deve ter dezenas de alunas atrás dele. É o típico espécime que atrai as fêmeas, um macho-alfa.
Convenientemente, o André, professor de Sociologia que tanto interessa a Bruna Drummond, é irmão da menina mais linda que eu já pus os olhos nessa vida. Então, eu não me incomodo nem um pouco com ele. Pelo contrário, acho que ele é gente boa.
Milena. Que nome lindo! Parece que vai derreter na boca. Delicada como uma flor. Confesso que estou apaixonado e não consigo tirar meus olhos dela. Só tem um defeito essa menina, aquele namorado dela: Felipe. Sério? O que foi que ela viu naquele cara? Um troglodita. Um atleta sem graça. Babão, meloso, brega.
Mas esse não é meu maior problema. Minha maior dor de cabeça agora é Bruna Drummond e a sua incapacidade de fazer qualquer coisa que eu peça.
Por mim, eu jogava a toalha. Eleonora ficou conversando com ela depois da aula. Depois, minha professora veio falar comigo. Meu rosto deveria estar denunciando meu total desgosto, Eleonora chegou com seu sorriso mais compreensivo. Não quero irritá-la. Ela nem deveria estar aqui, ainda está de licença maternidade.
─ Meu querido, - Tocou no meu rosto com delicadeza, meus ombros rijos de estresse cederam, toda raiva se desfaz com um simples toque – a coreografia está primorosa. Você é muito talentoso.
─ Obrigado, Eleonora. – Enxuguei meu rosto com uma toalha enquanto pensava se deveria lhe falar sobre os meus desgostos.
─ Kadu, vocês ficam lindos juntos.
─ Tenho minhas dúvidas a esse respeito, professora. A aula não foi fácil.
─ Ah! – Seu rosto se abriu num sorriso maior ainda. – Tenho certeza que ainda vai demorar muito para que venha a ser fácil dançar com essa moça. Ela acabou de começar, não é mesmo?
─ Não. Não estou falando disso. Até que para uma primeira vez ela foi muito bem. – Pensei que ela tinha entendido errado. Mas, mais uma vez, Dona Eleonora me deu uma prova da sua sabedoria.
─ Kadu, você acha que não tem nada em comum com a Bruna, mas você está enganado. Vocês dançarão lindamente, sabe por quê? – Fiz que não com a cabeça. – Porque vocês dois demonstraram extrema dedicação. Vocês colocaram muita energia na tarefa. Tanta energia que era possível ver nuvens escuras de tempestade, raios e trovões nos seus olhares...
─ E desde quando isso é uma coisa boa?
─ Meu querido, qualquer pessoa que consiga interagir com a outra nesse nível consegue convencer uma plateia de milhares de pessoas. – Ela tinha um ponto, tive de concordar. – Vou lhe dizer agora o mesmo que eu disse a ela alguns instantes atrás, vocês precisam atuar. Você sabe muito bem que se apresentar é interpretar uma música, é senti-la com o corpo. Não é a sua verdade que deve se sobressair, é a verdade da música. Tenho a mais absoluta certeza de que vocês são capazes de fazer isso.
É, para falar a verdade, talvez ela tenha razão.
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Por Onde Andei
Teen FictionNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...