6. Carlos Eduardo - Quando eu vejo a Milena entrar na sala

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Quando eu vejo a Milena entrar na sala, ganho o meu dia. Faço questão de esperar no corredor. Seguro a porta para ela, trocamos um sorriso e meu coração dispara. Linda.

A Milena tem uma beleza graciosa. É delicada nos gestos. Elegante no seu jeito de andar. Não é dessas meninas que passam por nós rebolando e empinando o bumbum. Ela sabe se dar valor.

Infelizmente, não faz ideia de que eu existo. De que eu sou capaz de desvendar todos os usos da sequência de Fibonacci por causa do seu sorriso. Que eu estou aos seus pés para qualquer uso que me der. Que eu só penso nela. Que é com ela que eu sonho. Que é o corpo dela que eu imagino junto ao meu nas coreografias que elaboro. Milena. Milena. Milena.

Ela, por sua vez, não tira aquele idiota da cabeça. Um cara que passa mais tempo longe do que ao lado dela. Quando ele está por perto, a presença inebriante de Milena fica reduzida à insignificância. Felipe. O atleta olímpico. Herói nacional. É sempre tudo sobre ele. Mas, na minha cabeça, quem deveria estar na frente dos holofotes sempre era ela.

Se eu namorasse com a Mile, nós seríamos perfeitos um para o outro. E eu nunca a deixaria em segundo plano. Mas ela não percebe.

Minha timidez não ajuda, admito. Nunca tenho coragem para puxar assunto. Poderia muito bem aproveitar uma das viagens do atleta para me aproximar. Para mostrar que temos tantos interesses em comum. Mas me falta coragem. Na verdade, bem lá no fundo, eu sei que é mulher demais para mim.

Vamos encarar os fatos, eu não sou bonito. Eu cresci demais a ponto de ser desengonçado. Não fosse a dança, eu provavelmente estaria tropeçando nas minhas próprias pernas por aí como as protagonistas dos romances adolescentes. Minha pele não é das melhores. A quem eu quero enganar, minha pele é horrível. Pelo menos, esse tratamento que estou fazendo, apesar de superinvasivo, está dando algum resultado nesse aspecto. Meus olhos são ligeiramente estrábicos, tenho uma miopia severa também. As mãos são ásperas. O cabelo é descuidado. Enfim, não dá para competir com a beleza mitológica do herói olímpico e eu sei disso.

A única coisa que acho bonita em mim não veio de fábrica. A tatuagem de tigre. O tigre é o meu signo no horóscopo chinês. É também o signo do meu pai. É o que nos une. Eu precisava marcá-lo na pele, porque ele ainda não representa quem eu sou, mas representa quem eu quero ser.

Minha mãe quase enlouquece com essa tatuagem. Tive de esperar completar dezoito anos para fazer. Doeu para caramba. Principalmente a parte em cima das costelas onde a pele é mais fina. Mas ainda doeu menos do que o tratamento contra acne, posso garantir.

Pesquisei por anos o tatuador que seria capaz de fazer esse tigre do jeitinho que eu queria. Um tigre branco de olhos azuis expressivos. Trabalhei incansavelmente nas casas noturnas da minha família para pagar a viagem, hospedagem e a tatuagem com o melhor tatuador de Los Angeles. Foram duas semanas. Fiquei satisfeito com o resultado. O tigre parece encarar as pessoas de cima do meu ombro direito. Sem medo. Sem vergonha.

Graças a esta tatuagem, estou de vez nos negócios da família. Minha mãe não ia deixar barato tamanho ato de rebeldia. Ela disse que se os meus dezoito anos já são suficientes para decidir algo tão grande como uma marca permanente na pele, isso significa que estou apto a administrar a minha própria casa de shows.

Meus pais têm dez casas de show de sucesso espalhadas pelo país. Meu irmão mais velho administra duas delas em Porto Alegre com um tino comercial de dar inveja. Ele começou com dezesseis anos e em pouco tempo já dominava o mundo do entretenimento noturno.

Eu sempre estive meio alheio a tudo isso. Tenho pretensões acadêmicas. Quero estudar Física Quântica mesmo sabendo que não dá dinheiro. Minha família parecia estar de acordo com a minha escolha. Até eu fazer a tatuagem.

Não me leve a mal. Eu sempre trabalhei. Meus pais têm dinheiro, mas me ensinaram que não nasce em árvore. São muitas noites acordados no batente e dias correndo atrás de fornecedores e agentes. Não é moleza. Nunca o foi.

Só que agora é diferente. Esta casa de show vai ser minha. Totalmente minha. Estará exclusivamente sob minha responsabilidade.

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Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora