Depois do desastre de ontem, cheguei cedo à academia. Falem o que quiser de mim, menos que eu desisto fácil. Eu não desisto nunca.
Saí do ensaio anterior arrasada. Mas eu simplesmente não consigo me render. Não é do meu temperamento. Fiquei pensando sobre aquilo que a professora falou sobre a dança ser um tipo de atuação. Se for assim, eu posso fazer isso. Já aprendi a andar a cavalo por causa de um papel. Já aprendi LIBRAS por causa de um papel. Posso muito bem dançar.
Fiquei na frente do espelho por horas. Eu só precisava de uma personagem. E eu ia encontrá-la. Coloquei a música escolhida por Carlos Eduardo para tocar no meu computador. Sou eu do Chico Buarque.
Na minha mão/ o coração balança/ quando ela se lança/ no salão. Quem é essa mulher? Pra esse ela bamboleia/ Pra aquele ela roda a saia/ Com outro ela se desfaz/ da sandália. Uma mulher sensual. Uma mulher consciente do seu poder feminino. Uma sedutora. Uma sereia. Eu consigo fazer isso.
Imediatamente me veio a imagem dessa mulher. Eu já a conhecia. Cresci no meio delas. Da onde eu venho, beleza vai além de tratamento. Está no jeito de andar, no jeito de olhar, está na confiança de ir para o meio da roda de samba e tirar um cara para dançar. Muito cheiro de sexo no ar.
Porém depois que essa mulher espalha/ seu fogo de palha/ no salão/ Pra quem que ela arrasta a asa/ quem vai lhe apagar a brasa/ Quem é que carrega a moça pra casa/ Sou eu/ Só quem sabe dela sou eu/ Quem dá o baralho sou eu. Tanto poder e tanta submissão. Uma mulher apaixonada pelo seu homem. Que pode provocar. Que pode sugerir. Mas que no final é apenas dele e de mais ninguém.
Achei minha personagem: minha mãe. Tão linda, tão submissa, tão coisa desse homem e ao mesmo tempo tão senhora dele. Agora era encontrar esse sentimento dentro de mim.
Ouvi repetidas vezes a música, mas a voz do Chico não me chegava ao coração. Procurando na internet, encontrei a versão da música cantada pelo Diogo Nogueira. Eu jamais conseguiria me sentir sensual assim pensando em um Buarque de Holanda, em compensação, os olhos verdes do Diogo facilmente despertaram um furacão em mim.
Só saí de frente do espelho quando estava satisfeita sobre meu comportamento no palco. O espelho estava me mostrando o que eu queria ver. Uma parte estava resolvida, faltava a parte técnica.
Eu queria marcar aulas extras com Carlos Eduardo. Pelo que eu entendi, para o programa, nós ensaiaríamos duas horas por dia, cinco dias na semana. Isso não era suficiente para me dar a postura e a leveza necessária. Além disso, ficaríamos apenas na coreografia. Eu não aprenderia passos de Dança de Salão. Não achei aquilo coerente. Eu precisava sentir a experiência.
─ Olha, Bruninha, - detesto quem me chama por diminutivos, mesmo assim, sorri porque a moça da recepção parecia ser minha fã – o Carlos Eduardo não é professor da academia. – Dessa eu não sabia. – Apesar de dançar muito bem, ele é somente um aluno antigo das turmas avançadas. Por isso, ele não vai poder lhe dar aulas para além daquelas que ficaram combinadas com o pessoal do programa.
─ Sério? – Devo ter mostrado uma cara muito decepcionada, eu estava apenas surpresa. A moça fez logo uma pose de confidente que eu detestei.
─ Você gostou tanto dele assim? – Por que é que artista parece que só vem ao mundo para arranjar namorado? O verbo gostar na boca daquela moça estava cheio de segundas intenções. Eu já podia vê-la ligando para as revistas de fofoca.
─ Não. – Respondi seca cortando a intimidade. – Tem qualquer outro professor disponível que possa me ajudar?
─ Claro. – Acho que ela entendeu que estava se intrometendo e retomou a postura profissional. – Vou ver se o Serginho está disponível.
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Por Onde Andei
Novela JuvenilNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...