23. Reviravolta

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O pano amassado que servia de travesseiro já cheirava a mofo. O outro pano, que ele usava como lençol, estava tão cheio de buracos que quase não fazia diferença, mas era o melhor que tinha. Luxo era uma coisa que o Príncipe Legolas já havia se desacostumado.

Legolas não sabia quantos dias haviam se passado. Tentava contar olhando a luz do sol por uma brecha minúscula no alto da parede da cela, e embora não fosse suficiente, ele tinha uma noção de quanto tempo havia passado ali: no mínimo uma semana.

Enquanto tentava sobreviver, sua maior preocupação era a fome. Todos os dias, uma vez durante a manhã e outra durante a tarde, um orc fedorento aparecia à grade de sua cela e empurrava um pão queimado por entre as barras de ferro. Não era comida o suficiente, nem de perto, mas era o que o mantinha vivo. Legolas não entendia como ou por que estava ali, trancafiado como um prisioneiro, mas ele tentava ao máximo sobreviver nas condições que lhe foram impostas. Ele queria respostas, e, se fosse necessário que ele aguentasse comer apenas dois pães por dia, isto ele faria.

Legolas lembrava-se vagamente de como fora capturado. Lembrava-se de ter estado muito doente quase duas semanas antes, uma dor que havia começado no peito e se espalhado por todo o corpo com a velocidade de uma flecha élfica. Era uma dor que não passava em nenhum instante, a não ser nos raros momentos em que ele desmaiava de tanta agonia. A última coisa que lembrava era o pai ao seu lado, tocando seu braço, uma expressão preocupada na face. Depois disso, escuridão. Tormento. Mãos que o agarravam em todas as direções, prendendo suas pernas e braços e tapando sua boca, impedindo que ele gritasse; era inútil, é claro. Ele não teria força para gritar nem se quisesse. Logo após isso, uma cela. Um quadrado em que ele era mantido dia e noite, sem ser vigiado pois não havia chance de fuga.

A doença, incrivelmente, havia passado no momento em que ele abriu os olhos. A dor não mais existia, e a sua pele, que havia ficado muito vermelha, estava com a mesma cor de sempre, como se ele nunca tivesse adoecido. Legolas só pôde assumir que os orcs sabiam de algum antídoto para a doença e o deram assim que ele chegou naquele lugar, onde quer que fosse. Isso não fazia nenhum sentido, mas era a única conclusão que ele conseguiu chegar.

Com quase duas semanas passadas ali, Legolas já se acostumara a ficar preso o dia todo na cela, sem falar com ninguém, o silêncio sendo seu maior companheiro. Nos primeiros dias, ele gritara, tentando chamar a atenção de alguém, mas até isso era impossível. O local só poderia ser subterrâneo, pois não importava o quanto ele gritasse, ninguém parecia ser capaz de ouvi-lo. Entretanto, a sua cela não se encontrava tão abaixo do chão, pois a minúscula abertura na parede indicava o contrário.

Vez ou outra, Legolas se pegava imaginando por que ninguém ainda fora resgatá-lo. Afinal, como era possível que ele fosse tirado de um palácio tão grande quanto o de Mirkwood, e ninguém tivesse visto um batalhão de orcs levando-o em direção ao desconhecido? Era impossível, tinha que ser. Mirkwood era o lugar mais seguro que Legolas conhecia. Mas, quanto mais pensava nisso, mais convencido ele ficava de que, quem quer que o tivesse tirado da Floresta das Trevas, não o fizera apenas por diversão. Havia algo por trás de tudo aquilo. E ele iria descobrir o que era.

Após mais ou menos três dias, Legolas passou a receber visitas frequentes de uma figura encapuzada que ficava parada em frente à sua cela, sem dizer nada, apenas encarando-o. No primeiro dia Legolas achara estranho, tentou falar com a pessoa, embora não obtivesse resposta para nenhum de seus questionamentos. Os dias foram passando, a figura continuava a aparecer para observá-lo durante várias horas seguidas. Legolas já estava farto. Queria explicações, queria qualquer coisa que explicasse minimamente toda aquela situação.

Durante um dia em que ele estava particularmente raivoso, ele esmurrou diversas vezes as barras de ferro, gritando com a criatura coberta da cabeça aos pés, suplicando que ela falasse. Nem uma palavra fora dita; a única consequência foi a mão de Legolas ter ficado ensanguentada e cheia de cortes e arranhões que demorariam muito para se curar. Mas era bom. A dor em sua mão fazia com que sua mente se esvaziasse de tantos pensamentos obscuros. Em pouco tempo, aquele lugar certamente o enlouqueceria. 

A FILHA DE VALFENDA - Contos da Terra Média (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora