Um sonho, um fracassado, e o começo de tudo

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"Can you save my heavy dirty soul?" -

Twenty One Pilots

- E lá estava eu. Pronto para pular.. Despreocupado com quaisquer que fossem minhas consequências, eu estava na beira do prédio mais alto que conhecia, há poucos metros de onde eu morava com meus pais e minha avó quando era menor.. A cidade onde eu cresci até meus 10 anos.

Eu não sei como, mas eu sabia. Sentia que havia algo errado, e que era a hora.

Eu escutava naquele momento Car Radio da banda Twenty Øne Piløts, e... Simplesmente estava paralisado em frente a beira do prédio, tão sólido quanto uma pedra, tão frio como gelo, tão inquieto por dentro como se houvesse uma algazarra dentro de mim, porém quieto como um defunto, sabendo que está em seu próprio enterro. Eu sabia que estava encarando a morte e minha mente estava vazia.

Um silêncio profundo veio, e a música simplesmente parou de tocar. A sensação ficara mais forte e deu-me um soco como um boxeador profissional, e o silêncio, tão profundo, avassalador e ensurdecedor, fez com que eu viesse ao nocaute, pronto para cair.

Eu olhava para o horizonte, e via o céu nublado, anunciando junto ao vento uma tempestade não muito distante, mas na verdade, para minh surpresa, senti neve em meu rosto, e uma sensação nostálgica tomou meu coração. Porém, não curou o vazio que eu sentia... Pelo contrário, nem mesmo o imprevisível chegou a me impressionar, mas mesmo não sendo algo novo para mim, a sensação de algo familiar parecia.. me consolar como um grande abraço. De repente não era mais um adolescente de 17 anos, pois eu voltara a ser uma criança naquele momento... Uma pequena criança inocente que pensava saber voar. Foi então que eu simplesmente pulei do prédio em direção a minha morte. Pulei em direção a escuridão e.. - Neste momento eu faço uma pausa, e tomo um pouco da água que havia na mesa de vidro à minha frente, e torno a olhar para Brandon - meu terapeuta já há alguns meses, talvez já há um ano ou mais.

- David... Se não estiver confortável em contar sobre isso, e sentir que vai..

- Ter outro ataque de ansiedade? - eu o interrompo. - Não, não, eu... Sinto que estou pronto para contar mais sobre isso. Mas isso é tudo. Este é o sonho inteiro.

- Pesadelo. Acha que seria um termo mais adequado, David?

- Não. Não senti que foi um pesadelo. Não senti ansiedade ou pânico, eu não acordei gritando como nas outras vezes, eu.. Me senti bem, como um conforto que não tinha desde.. desde muito tempo. Como se aquilo fosse uma solução, como se eu tivesse que fazer aquilo. Como se eu tivesse que tentar novamente.

- E você sente isso neste momento? - Ele indaga, e eu abaixo a cabeça, cruzo os dedos das mãos e pus- me a pensar.

- .. Bem, eu.. Eu não vou mentir para você, Doutor. Ainda sinto muita vontade de fumar as vezes. Eu ainda quero acabar com tudo. Muitas vezes, pego-me pensando em como eu sou um inútil para minha familia, e que.. As pessoas não querem minha presença. Eu sei o quanto eu incomodo por ser assim. Por não ter os pensamentos clichês da vida, de amor e cores lindas que todos ao redor esperam que eu tenha. Eu sei o quanto sou inconveniente quando eu não sorrio o quanto as pessoas querem, quando eu me visto de maneira "inadequada" e que faça as pessoas não se sentirem confortáveis pelo simples fato de eu não querer ser feliz quando todas sorriem porque tem uma TV de tela plana na sala. - faço uma pausa, e desta vez olho fixamente para Brandon - ..Sabe, doutor.. Eu não sou mais como era antes, eu.. Diferente de antes estou apenas aceitando meu destino. Eu não sei, talvez eu ainda tema ficar sozinho, morrer sozinho, mas já não é mais tão desesperador como era antes. Eu ainda penso demais em morte, ainda me consideram uma pessoa estranha, ainda me isolo socialmente, ainda me sinto mal pela morte delas, apesar de se fazerem 3 anos desde que uma morreu, e 7 desde a morte da outra. Eu ainda me sinto muito cansado de tudo, da vida, de pessoas tentando dizer o quanto ela pode ser boa de alguma forma... E isso só me faz ficar pior e querer voltar a ficar naquela merda de apartamento pequeno, sujo, deplorável, imundo e.. Fumar ao lado dela.. - Senti uma lágrima escorrer lentamente em meu rosto até cair em meu colo.

- David.. - Ele pega o lenço de papel que tinha ao seu lado, e estende a mão para que eu pegasse, porém recuso. - ainda sente a falta dela?

- .. Sim. - Digo em prantos - Eu sinto muito. Eu não queria que ela morresse.. Ela era o amor da minha vida. Tudo o que eu tinha.. E por mais que eu saiba que tenho que me manter forte pelos meus amigos, eu não posso deixar de pensar todos os dias que sua morte foi em parte minha culpa. Eu a matei, e agora, a cada minuto que passo vivo, sinto que uma hora eu vou morrer..que uma hora eu tenho que morrer. Tenho.

- Você sabe bem que a morte dela não foi sua culpa, David.. Você sabe disso, foi culpa do hospital. Negligência, não se lembra?

- Eu não sei mais nada... Pouco a pouco minha mente vai desbotando mais e mais. Das certezas, renascem duvidas que antes pareciam tão estúpidas, mas que agora são mais plausíveis que qualquer coisa que me digam.. Tudo o que tenho agora é uma alma cansada, pesada, suja.. - Começo a enxugar minhas lágrimas e percebo um barulho. Era meu celular tocando o alarme às cinco da tarde em ponto. - E-eu.. Tenho que ir agora. Você sabe, eu estou atrasado para o A.A.

- Ok, David. Bom saber que está indo bem em sua recuperação. Está melhorando e muito, sabia? Apesar de ainda estar deprimido, é visível o progresso que tem feito. Está se expressando bem melhor..

- Obrigada, Doutor. Nos vemos na próxima quinta feira, então?

- Não, David, eu.. Tenho que dizer uma coisa. Seus pais e eu conversamos e, achamos melhor que você fosse passar um tempo com seu irmão.

- Você não.. Não pode estar falando sério, não pode mesmo! - Digo nervoso e ainda completamente confuso. O que ele havia dito? Eu não pude acreditar.

Por mais que quisesse que fosse uma brincadeira, a expressão do doutor de medo, sua coluna inclinada, e suas mãos vindo em minha direção para um oeve toque no ombro, quase como um calmante para ele em muitas situações, me fazia saber que não era.

- David, por favor me escute! Seus pais estão preocupados com você e acharam que se ficasse longe daqui por um período de tempo e voltasse para sua cidade natal, você poderia melhorar. Eles não acham aqui um local adequado para você no momento.

- Agora que eu estou fudido eles se preocupam com alguma merda da minha vida?! Isso não pode ser sério.. Eles não se importam com o que era bom para mim há algumas semanas, não se importavam se eu estava num quarto escuro da mansão ou em becos sujos repletos de drogados, e simplesmente decidiram se livrar de mim? Olha, eu amo meu pai apesar de tudo, e me mantenho forte para não desaponta-lo apesar de tudo, mas agora isso passou dos limites! Ele não controla mais nem ele mesmo... Meu pai nunca deixaria isso acontecer. - Digo

Eu saio da sala enfurecido, e vou em direção ao ponto de ônibus para ir até a casa de Carter - um antigo amigo - para podermos fumar em uma praça que sempre íamos. Mas para meu espanto, eu encontro Carter sentado na sala de espera com as próprias mãos dadas e cabeça baixa, como de costume, de cabeça baixa e pés ansiosos... Já sabia que nada de bom viria a acontecer

- Carter? - Pergunto confuso com aquela situação.

...

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