Escritório do Líder do Clã dos vampiros; Belém — PA. 18h06.
Enquanto a chuva caía do outro lado da janela, espalhando gotículas pelo vidro embaçado, seu som atravessava a parede e infiltrava-se na sala, misturando-se com o crepitar do fogo na lareira. A mulher na frente de Allan Barth ajeitou a postura na poltrona, visivelmente desconfortável.
Ele a encarou.
— Aceitaria uma taça, Alice?
Os olhos amarelados dela se ergueram para a taça nas mãos dele, fixando-se no líquido vermelho de consistência grossa que dançava contra as paredes de cristal do objeto.
— Não, senhor — sua voz saiu tímida. — Obrigada.
— Interessante — Allan levou o conteúdo aos lábios, sentindo o gosto metálico de sangue invadir o interior da sua boca. — Eu nunca vi uma vampira negar alimento, principalmente na época de crise em que estamos — antes que Alice pudesse retrucar, ele pôs a taça vazia na mesa ao lado. — Admito que fiquei surpreso quando Ivan, meu criado, anunciou que a chefe de um dos Palacetes centrais havia convocado uma reunião para tratar, segundo ele, de assuntos importantíssimos e impreteríveis — recostou-se na poltrona. — Eu espero que o motivo dessa reunião seja, de fato, impreterível, Alice. Eu sou o Líder do Clã e não posso perder tempo.
A mulher engoliu em seco e pôs as mãos trêmulas sobre o colo; eram finas e pálidas como papel, as unhas pintadas de um roxo muito escuro que dissemelhava-se da pele branca.
— Senhor Allan, eu e outros chefes de Palacetes centrais e do sul da cidade tivemos uma reunião ontem, e eu venho aqui, como representante de seus ideais e, principalmente, como uma súdita do seu mandato, para esclarecer algumas exigências... — seus olhos se arregalaram. — ... alguns pedidos! — completou. — Alguns pedidos, senhor.
Allan ergueu uma sobrancelha.
— Prossiga.
— Há meses os Palacetes não estão recebendo a quantidade suficiente de sangue para alimentarmos todos os moradores, e as consequências disso já são bastante visíveis. Nossas crianças, a quem mais priorizamos o sangue, começaram a apresentar sintomas de anemia e magreza excessiva há alguns dias — seus lábios estavam secos. — Eu e Marco temos uma garotinha, Roberta, de onze anos. Nossa filha. Guardamos alguns estoques de sangue em nossa casa, mas não sabemos quanto tempo...
— Alice, Alice — Allan balançou a cabeça. Sua pele era muito cintilante em contraste ao fogo. — Honestamente, entendo o seu ponto, mas não vejo o quê você imagina que eu possa fazer em relação a tudo isso.
A vampira pareceu um tanto desconcertada, gaguejando antes de responder.
— Ora, eu... — franziu a testa. Seu rosto, aos poucos, ia ganhando uma expressão desafiadora. — Senhor Allan, você, como disse há alguns minutos, é o Líder do Clã dos vampiros. Ocupa esse posto há anos. O povo confia em você, acredita e tem esperanças de que trará dias melhores para todos nós — Alice indicou a taça vazia em cima da cômoda com a cabeça. — Enquanto a alta burguesia do Clã esbanja alimento e saúde, nós, da classe mais baixa, estamos assistindo nossas crianças desmaiarem de fome — cerrou os punhos sobre o colo, as juntas dos dedos se esbranquiçando. — Bebês, senhor. São pais e irmãos assistindo seus bebês chorarem por comida que eles não podem dar.
Surpreendentemente, o rosto de Allan permanecia impassível. Os lábios finos e pálidos imóveis, os olhos vermelhos um tanto calculistas, mas nada que entregasse seus sentimentos, nenhuma reação ao que Alice relatava com tanto pesar.
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Elemento Água - Série Witches (I)
Fantasía''Você fala 'bruxa' como se fosse algo ruim. Mas não entende? Somos feitas de gelo e aço, e não nascemos para nos curvarmos a você; nascemos para andar sob o fogo.'' Indiferentes a um mundo mágico criado pelos Doze Deuses que se mantém repleto de...