Viver uma droga de vida monótona nunca fez parte de meus planos. Mas o que eu vou fazer quando, aos 15 anos, não tenho controle nem sobre minha própria existência?
— Acordar...
— Ir para escola...
— Voltar da escola...
— Dormir...
Repito minha rotina enquanto lembro o quão entediante é viver. E adivinhem onde? À caminho da escola... Pois é, não vivo. Melhor, não vivia. Você já entenderá o porquê.
Minha mãe é professora na escola em que eu estudo. Isso quer dizer que, antes que as aulas comecem, eu, como filho dela, tenho que ir ajudá-la a preparar tudo antes das aulas iniciarem. Porém, ao contrário do que possa parecer, ela não é a minha professora, pois não dá aula para mim, então a supervisão não vê problema em eu estar lá. Mas minha vida continua monotonamente chata.
Enquanto eu separava uns papéis para minha mãe, continuava a repetir:
— Acordar...
— Ir para escola...
— Voltar da escola...
— Dormir...
Como eu estava sozinho na sala, não havia ninguém para me chamar de louco. Então eu o fazia quase como que automático, pensando em como poderia tornar a minha vida mais interessante. Talvez cursos. Esportes. Artes. Matar alunos mais velhos e escondê-los no nas salas abandonadas atrás da escola, que ficam bem mais isoladas e são quase impossíveis de serem descobertos até que os cadáveres estejam em avançado estado de decomposição. Sorrio ao pensar que sou capaz de cogitar tal ato.
Finalmente terminei de organizar os papeis. Então resolvo ir até as salas isoladas para esticar as pernas e vê o quanto algo ridiculamente macabro pode me aterrorizar. E, quase como um vício em substancias entorpecentes, sigo com o meu de repetir, como um sussurro, minha deprimente rotina:
— Acordar...
— Ir para escola...
— Voltar da escola...
— Dormir...
— Acordar...
— Ir para escola...
— Voltar da escola...
— Dormir...
— Acordar...
— Ir para escola...
— Voltar da escola...
— Dormir...
— Acordar...
— Ir para escola...
— Voltar da escola...
— Dormir...
— ...
Como ficou bem claro, a escola é relativamente grande. Isso me rendeu cerca de uns 7 minutos de repetidas doses da minha heroína não injetável. Antes que eu possa "voltar da escola", chego as salas escuras e deterioradamente macabras. Aparentemente todas as salas, as seis, estão trancadas. Vou caminhando e as observando com atenção e desejando ver algo que perturbe minha paz. Isso não acontece, infelizmente, mas percebo que a última das salas estava com a porta apenas encostada. Tive que entrar e começar a conversar com o ambiente, na esperança de ouvir uma resposta dele. Assim eu o fiz. E nada aconteceu.
Aquela sala era provavelmente a mais estranha de todas. A mais escura, a mais úmida e a maior. Caminhei em meio as cadeiras e mesas quebradas. Desviei de cacos de vidros e restos de lâmpadas que um dia serviram para iluminar algum ambiente da escola. E fui contando uma historinha, como que para entreter o nada que não ousava me responder.
— Eu compartilho de suas dores. Deve ser difícil ser usado por todos e jogado fora, lhe sendo subtraído sua utilidade. Sabe, uma dia eu já fui um de seus assassinos. Bom, pelo menos eu acho. E lhes garanto que ninguém sente o menor remorso de transforma-los nisso que são hoje. Para ser sincero, nem eu sinto. No fim de tudo somos cadeiras que o tempo roubou a resistência. Somos lâmpadas que agraciaram a todos com seu último flash de luz, deixando claro que nossos bons tempos terminara. Mesas que eram riscadas e tatuadas com canetas para diversos fins. Somos todos papeis que só são úteis até as provas, e são descartados ao fim de cada bimestre.
Tropecei em uma estante e esbarrei sobre uma pilha de cadeiras a minha esquerda. O barulho foi quase ensurdecedor, para mim que estava lá dentro, mas duvido muito que alguém ouviu do lado de fora.
— Desculpe senhores. Não podemos deixar nosso castelo ruir, não é mesmo?! Sabe, acho que seria divertido ser uma lâmpada. Eu apagaria de proposito em momentos importantes somente para ouvir os gritos e suspiros de decepção de todos. Esse deve ser seu hobby, certo? Como um assassino que tortura sua vítima por ouvir mais que um simples grito ou choro. Acho que há arte em tudo! Como em uma exposição de arte, onde o quadro está...
Uma folha de papel me rouba as palavras. Ao vê-la com um risco de luz, que vinha de uma brecha no telhado, atravessando todo o papel, não pude pensar em mais nada. Abandono meu dialogo sobre ser uma lâmpada e vou conferir aquilo que se assemelhava à uma página rasgada de um antigo livro. Ao pega-la, em minhas mãos, percebo que tem algo escrito em sua lateral, evitando o texto original do possível livro.
— Você demorou Levi! — leio eu em voz alta e só depois percebo que se tratava de mim.
O texto que parecia compor o livro na verdade era apenas vários i's e riscos horizontais que atravessavam, ao meio, sete em sete i's. Pareciam, todos, marcar dias, semanas, meses, anos... Bom, tinha muitos ricos, não sei a quanto tempo aquilo correspondia. Dobrei a folha ao meio e a guardei em meu bolso e retirei-me da sala.
No caminho de volta à escola fique em abstinência da minha mania de cantarolar minha rotina. Ao invés desta, fiquei pensando em meu nome escrito naquela página. Parecia escrita por alguém, ao contrário dos i's, que pareciam digitados. Não fez muito sentido. Imaginei se não seria nenhum amigo meu me pregando uma peça, mas isso não seria muito possível, já que não tenho amigos. Pelo visto poucos gostavam do filho nerd da professora. Eu não importava com ninguém também, então era um sentimento recíproco, quase um relacionamento baseado no ódio.
Ao chegar no refeitório completamente vazio, sentei-me na última cadeira, distante dos olhos de qualquer um que poderia aparecer. Peguei o papel novamente nas mãos e percebi que tudo o que ali havia escrito, sumira. Abismei-me e quase surtei por dentro. Mas não tive tempo de gritar pois, logo em seguida, o papel se enegreceu e começou a queimar nas minhas mãos. Porém o fogo não me queimou. Não me causou marcas. Não surtiu nenhum efeito sobre mim. Poderia dizer que foi até algo afetuoso da parte dele. De qualquer forma isso me deixou indignado.
Bom, o resto vocês já sabem...
— Voltar da escola...
— Dormir!
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IHCARO: Mundo Por Trás do Normal
General FictionViver em um mundo só seu é como procurar existir sem se ferir muito nos espinhos que a vida sempre coloca em nossos caminhos. Ao contrário de esvair dessa triste e cruel realidade criando um mundo utópico, Levi abraça e beija a utopia nos lábios. S...