Conveniência

46 4 0
                                    


Meu estômago dói.

Dói a horas.

Dói tanto que atrapalha minha concentração no vídeo, fazendo com que assista mais de quatro vezes o mesmo minuto e mesmo assim não consegui traduzir o que um dos garotos dizia.

Pausei o vídeo percebendo que não conseguiria trabalhar com tanta fome e fui até a geladeira.

Os últimos resquícios de comida acabaram a 5 dias, o delivery a 3. Ontem meu estômago começou a incomodar e hoje de tarde ele já gritava reclamando.

A comida devia ter chegado a mais de uma semana, mas não chegou.

Nesses recém completados 6 meses na Coréia o mercado nunca atrasou uma entrega. Até agora.

Entro no site do mercado para ver qual tinha sido o problema.

Pedidos: 0

Carrinho: 158 itens

- Alguém me dá um tiro.- peço para o nada ao notar minha burrice.

Clico em finalizar a compra assim como pensava ter feito a semanas e deito sobre a mesa tentando ignorar as pontadas de dor.

Eu preciso de comida.

O computador marcava 4 AM, meu coração disparou só de considerar a ideia de sair para procurar alimento.

Outro grunhido de dor e eu sentia meu estômago lançando ácido contra suas próprias paredes, parece que não tem outra opção.

Coloquei um casaco e uma máscara, peguei o cartão e fui até a porta, calcei um sapato. "Não tem ninguém acordado nesse horário" repetia pra mim enquanto me preparava para sair do apartamento pela primeira vez em meses.

Minhas mãos suavam frio e tremiam e uma porta nunca pareceu tão pesada quanto essa agora.

Dado um passo para fora eu podia jurar que meu coração tinha explodido. As luzes do corredor machucavam meus olhos acostumados apenas com a luminosidade do computador.

Entro no elevador e aperto o botão, a existência desse elevador era quase ridícula, um prédio com 4 andares definitivamente não precisava de um.

A rua estava vazia, sendo iluminada somente pelos postes e a loja de conveniência no quarteirão vizinho.

Era estranho ver as coisas de fora da minha janela.

Entro no estabelecimento de cabeça baixa e faço uma pequena reverência na direção do caixa, sem olhar pra quem quer que esteja lá.

Os passos lentos e difíceis que eu dava pararam completamente quando ouvi risadas.

Quantas pessoas vão nessas lojas as 4 dá manhã?

Contenho a vontade de sair correndo e voltar para casa e encho a cesta de miojo para poder sair de lá de uma vez.

As pessoas entram no meu corredor e eu congelo. Tinha certeza que meu coração parara por alguns segundos.

- Cara, qual é? É uma barra! Não vai matar ninguém! - Aquela voz, que que eu tanto conhecia, pedia.

Será possível? Que de todas as pessoas eles estavam aqui?

Desejei estar enganada, mas a quantidade de vezes que já ouvi o som daquele garoto não me deixariam errar.

Olhei discretamente pela cortina de cabelo que caia na lateral do meu rosto e pude constatar.

3

3 deles estavam aqui.

O ar passava com dificuldade pela minha garganta, fechei os olhos com força pedindo para tudo ser um sonho e eu nunca ter saído da cama hoje.

Eles continuaram andando pela loja conversando. Era claro que eu não devia estar tão nervosa, não era como se eles fossem me reconhecer, afinal eles nem sabiam da minha existência.

Eles nem tinham porque saber, eu era só a tradutora da empresa deles, nunca apareci no escritório, não conheço nenhum colega de trabalho para que tenham comentado sobre mim, meu nome é só mais um nos créditos de seus vídeos e banners.

Me apresso pegando uma garrafa qualquer de vinho e vou para o caixa, entrego a cesta ao homem, continuo encarando meu reflexo na bancada limpa até ele terminar de passar todas as coisas.

Sair do estabelecimento foi como voltar a superfície da água, eu pude finalmente respirar, não menos desesperada que estava lá dentro, mas agora inalando oxigênio.

Voltava para casa em passos rápidos e segurando o choro, tudo que podia pensar era como eu sentia que iria desmaiar a qualquer momento.

O barulho de passos e vozes me fez fraquejar, será possível que em 10 minutos fora é o suficiente pra mim morrer?

Eu estava com medo, muito medo.

Eu sabia quem eram, mas naquele momento eu implorava para os assaltantes coreanos terem vozes de cantores famosos.

Entrei correndo no meu prédio sentindo o mundo girar, ao entrar no elevador quase bati a cabeça em suas paredes, apertar o botão do 3 andar foi difícil considerando a vista embaralhada.

Os 3 homens entraram pela portaria do prédio.

Agarrei as barras com as duas mãos e prendi a respiração para impedir que eu desmoronasse bem ali, a vontade de chorar tomou conta de mim.

A presença deles invadiu o pequeno elevador, engoli o nó na garganta e olhei para cima tentando evitar as lagrimas.

Minha visão periférica permitia ver que eles olhavam fixamente para a porta do elevador. Mesmo com a vista embaçada, a cabeça girando e o disfarce deles eu não precisava de muito esforço para poder reconhece-los.

Jooheon, Kihyun e Wonho.

Jooheon virou o rosto levemente em minha direção, encarei o chão no mesmo momento, se alguma coisa me matasse agora seria de grande ajuda.

O elevador parou e eu sabia que era meu andar, só mais alguns passos e você estará segura, assegurei a mim mesma.

Parecia que todo meu corpo estava dormente, pisar era estranho e vinha junto da impressão das paredes caindo em mim.

Quando cheguei até minha porta e fui colocar a senha percebi o quanto eu estava tremendo, conforme colocava os números, já forçando a maçaneta, tudo começou a escurecer e ficar em pé ficou ainda mais difícil.

Meu corpo, antes escorado na porta, foi em direção do chão quando ela se abriu.

Tanto a crise quanto a fraqueza da fome não me permitiam levantar ou ao menos encolher as pernas para dentro do apartamento.

Fechei os olhos deixando a impotência tomar conta de mim, tudo que ouvia era meu coração batendo acelerado no meu ouvido.

Ia me deixar desmaiar, talvez algumas horas desacordada ajudassem a superar o ataque nervoso, meus músculos começaram a relaxar contra o frio do piso.

Lock  //  KihyunOnde histórias criam vida. Descubra agora