Capítulo 9 - O CAMPO

41 3 0
                                    


O CAMPO

Quando a bicicleta freou bruscamente próximo ao que provavelmente havia sido uma cerca, Píer sentiu a haste do quadro da bicicleta machucar lhe o traseiro. Depois de ele descer o garoto pôs a monark bruscamente sobre o chão, e lhe tocou o braço, Píer estremeceu, mas não se moveu. A sua frente havia um pequena colina com formato côncavo e uma extensa encosta levemente inclinada. Na parte de cima percebia-se uma pequena variedade de flores formando uma peruca sobre a elevação; havia ruinas de uma casinha em um lado distante da encosta, o teto de madeira despencara das paredes de tijolos de terra e as ervas escalvam por toda estrutura. –Quem chegar lá em cima por último é a mulher do papa. Exclamou Jerome, pondo-se a correr ladeira acima, enquanto Píer ficava para trás, tentando corrigi-lo.

– Eu não gosto de flores. Jerome comentou quando Píer se aproximou, no topo da colina. Dali dava para ver sua casa, amarela, no meio do verde das matas, no sopé da serra. Ele fungou e se abraçou, contra o frio. – É coisa de menina. O outro continuou, cortando ramalhetes de rosas com um canivete. Píer não se pronunciou, sem saber o que dizer. Ele olhou em volta, havia orquídeas em vasinhos de barro no meio do capim que crescia descontrolado, roseiras grandes que formavam arbustos redondos, cheios de espinhos, girassóis, veludos, copos-de-leite, tudo em uma profusão abstrata, nascendo sem controle em meio as ramas e as ervas daninhas altas. – Quem plantou essas coisas aqui? Ele perguntou, arraçando uma flor de hibisco. – Uma velha que morava ali. Jerome apontou para as ruinas da casa. – Já faz tempo. Acho que ela fez um jardim, ai, puff, morreu e agora tem isso aqui. Píer sorri, e sem querer, sentiu sua pele virar uma espécie de teia de formigamento. Ele desceu um pouco a encosta e se sentou no meio do capim, olhando as estacas do que já fora uma cerca pontuar a extensa pastagem verde e amarelada que se estendia a frente. Jerome soltou um punhado de ramalhetes de rosas no chão ao seu lado e se sentou também. Ambos olharam um instante para o horizonte enevoado, sentindo o vento frio bater e arrepiar os poros da pele. – Então... – Começou Píer, encarando o semblante do mais alto. – Quantos anos você tem? Jerome enrugou o rosto, com a expressão divertida. – Tenho treze. Por um instante eles se encararam até que Píer se pronunciou. – Fiz doze. – Ei!

Sou mais velho que você. Jerome lhe deu um empurrão no ombro. – E você ainda parece um "bebezão". Completou rindo. Píer se recompôs e observou os sapatos nos pés. Ele inspirou fundo, tomando coragem. – Jer..Jerome? – Hum. Píer inspirou fundo, com a garganta seca. –Você já beijou? Os dois meninos pararam se olhando, surpresos com a pergunta solta no ar como bolha de sabão. Jerome sorriu, Píer sentiu as bochechas esquentarem, ruborizando. –Se já beijei? O outro parecia se divertir, Píer desviou o olhar para o lado. Havia começado a cair um chuvisco ralo, e ele sentiu arrependimento por ter perguntado. Nunca havia feito aquilo, e ele nem conhecia o garoto, só sabia de uma coisa, de uma coisa que sentia, mas que não queria dizer até ter certeza para consigo mesmo. – Não. O outro respondeu. – Você já? Jerome perguntou. Píer balançou a cabeça, negando. Ele sentia um frio surgir no fundo da barriga, uma sensação de constrangimento. Jerome se levantou e olhou para o horizonte, sério, e depois voltou o semblante para o outro garoto. – Você quer me beijar? Píer piscou, atordoado, o olhar do garoto mais velho o encarava de cima. Ele se levantou de supetão, ficando de frente para o outro garoto, mais alto, mais sardento, mais forte, "mais garoto". – Você parece uma garota. Jerome comentou com um sorriso. Píer sentiu vergonha. – Mas é mais bonito que uma. Ele encarou os olhos do outro, quase sorrindo. E quase sem perceber já tinha se aproximado, a mão do outro parou debaixo do seu queixo, fria, crespa e com um cheiro gostoso de terra e mato. Jerome tocava a pele delicada do mais pequeno como se fosse arranhá-la, era macia como a pele das garotas do povoado, só que era mais natural, sem aquele cheiro doce das loções que as mães esfregavam nas meninas. Píer sentiu os olhos se fecharam quando Jerome colocou a boca na dele, o beijando. Os lábios do outro eram ressecados e frios, causando uma sensação diferente. Diferente de tudo o que ele já havia experimentado. Ele estava beijando um menino. Ele estava beijando um garoto.

Os Garotos na ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora