one shot

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Audrey não tinha um tipo. Não sabia por que tipo de pessoa iria se apaixonar. Porém, passou a vida inteira acompanhando a agonia da mãe que, casada com um piloto da aeronáutica, só dormia ao saber que o amado estava seguro e em terra. Mais tarde, acompanhou também as noites de insônia da irmã, que casou-se com um policial, vivendo à base de café a cada turno do marido até que tivesse certeza que estava seguro.

Então, a única certeza que Audrey tinha era que nunca se apaixonaria por alguém que não a pudesse garantir que chegaria vivo e inteiro ao final de cada dia de trabalho.

Irônico seria se ela realmente não mandasse no próprio coração como sua mãe um dia lhe dissera. Mais irônico ainda seria se ela tivesse se apaixonado por Alex Wennberg.

Tentava se convencer de que não era tão ruim. A possibilidade dele não chegar vivo era muito pequena. Em compensação, a dele chegar inteiro era inexistente.

Não se lembrava de ter passado por nada parecido com o furacão que acontecera quando seu pai estava no ar e a comunicação caiu deixando sua mãe uma pilha de nervos ou a notícia que seu cunhado estivera presente numa troca de tiros deixando sua irmã completamente abalada. Mas também não soube lidar com o dia que Alex sorriu para ela exibindo o espaço vazio onde deveria estar o seu dente da frente, ou quando o olho roxo dele deixou claro que o gelo não era um lugar seguro.

Provavelmente era a sina das Tremblay: se apaixonar por homens fadados a lhes tirarem o sono.

Em dez meses de relacionamento, Audrey não teve coragem de ir assistir a uma partida sequer. Sabia que o hockey era tudo para Alex, mas não conseguia controlar sua pressão e seu ritmo cardíaco ao ver o namorado vulnerável aos pucks e às brigas que pipocavam a todo tempo.

Poderia dizer que esse fora o motivo do término. Suas noites sem dormir que atrapalhavam seu rendimento acadêmico; a falta de tempo dele, que jogava várias noites na semana e treinava nas que restava; a cobrança dele que queria uma namorada mais presente em jogos e eventos. Seria mais fácil para si, para ele e para todo mundo que perguntava sobre os dois.

Mas ela sabia que não era bem isso.

Tinha medo de pensar que talvez tivesse sido egoísta em suas atitudes. Que não o havia amado suficiente.

Mas o que seria, então, amá-lo o suficiente?

Ela não tinha deixado de lado seu único critério para não se apaixonar por alguém quando se apaixonou por ele? Não tinha se submetido a dez meses de noites intranquilas quando sabia que ele estava jogando e não tinha coragem de conferir nem mesmo pela TV se ele estava bem? Por dez meses tinha deixado de lado sua necessidade de ser cuidada para cuidar da única pessoa que tinha certeza de ter amado na vida.

Às vezes sentia que não era a namorada que ele queria que ela fosse, mas ele também não era o namorado de seus sonhos e, mesmo assim, ela se esforçava para ser o que ele precisava.

Apesar dos pesares, sabia que ele sentia tanta falta dela quanto ela sentia dele, e teve essa confirmação quando o viu seis meses depois do término e ele a olhou do mesmo jeito. Daquele jeito.

Estava mais maduro agora que jogava nos Estados Unidos. Aparentava estar diferente e ela sabia que estava porque o conhecia como ninguém.

Achou que não conseguiria conversar com ele depois de tê-lo dispensado. Mas colocaram as cartas na mesa pela primeira vez desde o ocorrido.

Alex queria tentar mais uma vez. Ela, da mesma forma.

Mas como poderiam se nenhum dos dois estava disposto a ceder?

Ela não poderia viver o resto de sua vida daquela forma. Ele não mudaria sua forma de viver por ela.

Talvez devesse ser assim.

Ele pertencia ao hockey. Ela precisava de segurança.

As duas coisas simplesmente não poderiam conviver juntas.

Audrey Tremblay não queria viver sob a sina de sua família.

Não fora egoísta ao terminar com Alex.

Mas não havia dúvidas de que estava sendo ao não dar aos dois mais uma chance.

Selfish HeartOnde histórias criam vida. Descubra agora