DENTRE OS muros dourados e cintilantes dos palacetes feéricos, por entre as alamedas pavimentadas em ouro polido e antigo, janelas cristalinas em murais épicos, era possível vê-los.
Cabeças altas e baixas, com cabelos sedosos de todas as cores imagináveis refletiam as pequenas gotas de luz que escorriam pelos canais e cascatas da Floresta Boreal. Do topo de imensos salgueiros dourados, pingentes de chuva cristalizada adoravam e iluminavam o caminho para Eghara.
Pela estrada de pedra que se acendia a cada passo de cada jovem e velho morador que contornava a orla da floresta escurecida, os paralelepípedos cintilavam com sua luminosidade fosforescente. E no horizonte mais distante, alto e etéreo, o Palácio do Sul se erguia com suas torres imponentes, absurdamente finas e impossivelmente altas, cortando o céu do crepúsculo.
O reino de Deraia estava finalmente alegre e aliviado. As luzes da cidade dançavam no céu bordado de constelações em plena luz do dia; a aurora boreal cintilava por toda a extensão da Floresta, refletindo suas cores nas cascatas. Chegara quatro anos antes o fim da Grande Batalha, e os deraianos estavam em mais uma de suas memoráveis celebrações.
Desta vez, era por causa de uma garotinha de três primaveras que chamavam de Princesa.
Em pé na pequena arquibancada, trajando seu belíssimo manto prateado adornado por diamantes, estava a rainha. Seu semblante tranquilo e neutro passava aos súditos o ar de bondade e segurança, enquanto dançavam pelo imenso pátio aberto do Palácio Real de Eghara. Na cabeça, a coroa adornada de sete estrelas, cada uma com suas oito pontas, repousava, finalmente a salvo com sua verdadeira herdeira e portadora. Todos agora podiam ser felizes, sem medos ou riscos.
Era o que ela pensava.
- Bela visão, não é, rainha Maree?
A senhora virou-se devagar, oferecendo um leve sorriso para o homem de olhos castanho-dourados ao seu lado.
- Boa noite, rei Rednald. - fez uma respeitosa mesura com a cabeça, deixando os cachos avermelhados pincelados com raros fios brancos caírem como uma moldura ao redor do rosto arredondado. - Não vai aproveitar a festa com sua esposa?
Dizendo isso apontou suavemente para a mulher baixinha sentada no trono dourado do lado oposto do pátio. Era uma senhora gentil e justa, apesar de ser mais impulsiva que Maree, com disposição para criar o único neto homem nascido poucos anos antes.
- Darah disse que precisava de ar. - O rei respondeu, soltando um suspiro. - Acho que é o melhor momento para todos nós descansarmos. Pelo menos por enquanto. Antes que algo torne a acontecer.
A rainha desviou os pequenos olhos prateados por um milésimo de segundo, o queixo caindo leve e inconscientemente.
- Creio que tudo esteja em perfeita ordem.
- Talvez - o homem engoliu em seco. Era clara sua ansiedade. - Mas temo depois de tudo que passamos.
Maree apertou os dedos finos e discretamente enrugados. Do que falaria Rednald? Eram tempos pacíficos! Era fato que ela andava com certa inquietação nos últimos dias, presságios ruins. Mas seria algo com que deveriam realmente se preocupar?
A rainha encarou a multidão que dançava ao redor da pequena princesa de vestidinho armado, e o quanto a amavam era notável. Mesmo sendo mestiça, os olhos castanhos completamente humanos a não ser pelas pequenas manchas prateadas. Havia anos não nascia uma menina na corte de Marabell, e a avó não queria perde-la. Não sabia se deveria temer essa possibilidade. Sua filha e o genro não mereciam tal desastre.
Os olhos doces e encantados acompanhavam enquanto a garotinha, ainda tão pequena, brincava de perseguir e capturar a coroa do primo, apenas um ano mais velho e completamente entediado. Viu, então, a dupla de amigos da neta - uma mocinha de cabelos dourados e um garoto, da mesma idade do neto. Os dois futuros Reis de Deraia. Uma melancolia súbita e sem explicação alcançou o coração da Rainha.
- Sabe de algo, Rei? - Ergueu uma sobrancelha, preocupada, voltando a encara-lo.
Rednald apenas deu de ombros discretamente e lançou um olhar para a sacada, onde um pequeno apoio sustentava o Cetro Real.
- Não. Mas já ouvimos sobre isso. Sobre estes tempos. Coisas ruins estão por vir, Maree. Coisas ruins.
Como que em resposta ao tom sombrio do diarca, o céu se iluminou à explosão de mais fogos de artifício. Estes iluminaram até a nuvem mais escura e a névoa mais espessa através do grande mar, onde uma rainha renegada caía em seu pranto.
Aurora, Prólogo
2017, Yasmin Oliveira.
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Aurora | Adhara: Deraia - Livro I
Fantasy🏅#1 no concurso Aventuras Literárias 🏅#1 em Capa no concurso Raposa de Ouro Uma história sobre sonhos, reinos mágicos e autoconhecimento. Para Ana Foster, cujo horizonte não se limita à antiga cidade onde vive, todos temos nosso legado. Nossa hist...