Capítulo I

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Como o aniversário dos meus 16 anos calhou a um domingo, acabei por passar o dia com os meus pais que claramente não compreendiam o conceito de adolescência. Nesse conceito, já devia fazer parte do universo dele que os meus aniversários no mínimo se dividissem entre o tempo em família e o tempo com os amigos.

Contudo, depois de um almoço num restaurante chique com os meus pais, estes encontraram velhos amigos e de alguma forma, acabei num turbilhão de lembranças e conversas desinteressantes em que tive que forçar mais sorrisos do que seria o normal. Acho que posso ter deslocado o maxilar e só a troca de mensagens com o Gui, poupou a minha sanidade.

Na verdade, eu devia ter estado com ele em algum momento daquele domingo, que era suposto ser sobre mim e não sobre as memórias dos meus pais com os amigos. Porém, nada disso aconteceu porque assim como a maioria das pessoas, já ninguém dava importância ao 16º aniversário. Nessa data, todos sem exceção, passávamos a ver o fio vermelho do destino que nos ligava à nossa alma gémea. A ideia era encontrar a pessoa que estava na outra ponta e isso já foi uma crença mais popular, mas se calhar as modernidades ou o simples avançar do tempo fez com que isso fosse perdendo a importância. O número de pessoas que já não fazia a sua vida depender do "amante predestinado" era bastante elevado porque muitas vezes, diziam não corresponder às suas expectativas.

Ainda assim, nem que fosse pela curiosidade, criei expectativas e esperava poder usar parte do meu dia de aniversário para que na companhia do Gui, procurássemos quem estava do outro lado do fio vermelho que entrelaçava o meu dedo e partia em direção incerta.

Portanto, tive que esperar até que viesse segunda-feira de manhã para poder encontrar o que destino teria escolhido para ser a minha cara-metade. Não ia mentir, estava curiosa embora soubesse que não tinha necessariamente que aceitar isso e havia sempre riscos. Diferença de idade, a outra pessoa já estar comprometida e feliz, essa pessoa estar noutra cidade ou país, eu não gostar dessa pessoa ou vice-versa. Enfim, muitas variáveis diziam que aquilo podia não funcionar, mas e depois? Nada me impedia de pelo menos satisfazer aquela curiosidade, certo?

– Corre, Rafa! – Dizia o meu melhor amigo a acenar-me desde da paragem de autocarro e parado na porta para que o motorista esperasse por mim.

Depois de quase deitar os pulmões pela boca, entrei no veículo demasiado cheio como sempre, validei o meu passe e fiquei lado a lado de pé do meu melhor amigo. Não havia outra pessoa opção, visto que o autocarro estava repleto de gente e estávamos a tentar manter uma distância segura daqueles que não conheciam a palavra "banho" ou "desodorizante".

– Obrigada Gui. Salvaste-me mais uma vez de ir a correr para as aulas.

– Já sabes que estou sempre aqui para o que precisares. – Sorriu, ajeitando a mecha de cabelo loiro que caiu na frente dos olhos azuis com uma das mãos. – Ansiosa para encontrar a tua alma gémea?

– Não iria tão longe. Quase ninguém liga a estas coisas e imagina que é alguém que não tem nada a ver comigo? Se pensarmos bem, essa é uma grande possibilidade. – Falei, colocando as duas tranças em que o meu cabelo estava dividido para a frente, pois alguém acabava de tentar levar parte do meu cabelo quando passou por nós.

– Mas e se for mesmo o tal? – Perguntou divertido.

– Admito que estou curiosa para saber quem está do outro lado. – Disse ao olhar para o fio vermelho preso no meu dedo. – Mas não quero criar grandes expectativas e além disso, nem sei se vou partilhar contigo, já que também não me contas quem é o teu e tu já descobriste logo no início das aulas.

Sim, esta seria a terceira semana de aulas na nova escola. Eu e o Gui estávamos no curso de Línguas e Humanidades com objetivos de seguir carreiras diferentes, mas iríamos partilhar as aulas até deixarmos o ensino secundário e entrarmos na faculdade. Ainda tínhamos mais três anos de convívio direto, além de todos os anos para trás que nos uniam, visto que nos conhecemos desde de crianças.

Gui ou Guilherme mora na mesma rua que eu e além de crescermos quase como vizinhos, andámos sempre na mesma escola, turma e passávamos muito tempo na casa um do outro. Se alguma vez imaginei que ele pudesse sequer entrar na possibilidade ser a minha alma gémea? Não. O Gui é tudo o que uma pessoa pode querer, mas joga na outra equipa e sabe-o desde dos seus 12 anos. Ele faz anos primeiro do que eu e por isso, ao entrar na escola já com seus 16 anos sabia quem está do outro lado do destino, mas diz que não vale a pena partilhar. Isso já me fez pensar que possa ser alguém do sexo feminino. Se for esse caso, quero rir do destino por escolher de forma tão errada e se o destino cometeu ou pode cometer erros desses, então o quão certo seria o resultado do meu fio vermelho?

– Já imaginaste que pode ser o mesmo rapaz que vimos naquele dia na biblioteca a coçar as partes íntimas? – Perguntei e o Gui não conseguiu segurar a gargalhada.

– Ó, isso seria muito bom.

– Sim, Gui. Ri-te da minha desgraça. – Comentei com ironia, mas também com vontade de rir.

– E se for um tipo todo jeitoso? Vais deixar-me com inveja? – Provocou.

– Sim, olha bem para mim. – Carreguei na ironia. – Estatisticamente, não existem muitos jeitosos na escola, portanto, vamos ver... os que há, estão comprometidos ou são gays, sem ofensa mas isso significa que o destino iria escolher o errado.

– Sabias que há um Instagram com os rapazes mais bonitos?

– Deixa-me adivinhar, és um seguidor.

– Claro. – Piscou o olho e ri-me um pouco, abanando a cabeça. – Ainda não tivemos a oportunidade de ver todos os que há na escola por isso, as redes sociais facilitam bastante estas coisas.

– Pelo menos, vais tendo coisas interessantes no teu Instagram, eu sigo demasiados gatos.

Gui riu de novo.

– Agora só tens que dar mais um passo e evoluir para o nível seguinte de gatos.

Desta vez, fui eu que me ri.

– Sim e correr o risco de acontecer o mesmo que aconteceu com a Isa e ter a mãe a ver o telemóvel dela sobre a cama com homens quase nus. Aposto que devem ter tido uma conversa muito interessante depois desse momento.

Rimos os dois com a lembrança dessa nossa amiga aquando do relato dessa história no nosso grupo no Messenger. Isabel era mais uma amiga que também conhecia há algum tempo, não tanto como o Guilherme, mas ainda assim chegámos a ser bastante próximos os três. Isto até ela encontrar a alma gémea dela e desde então, quase que temos que marcar uma reunião por carta registada para conseguir estar com ela sem que o namorado esteja por perto. Os dois são tão colados que até posts nas redes sociais fazem a falar de casamento e serem o amor da vida um do outro. Não sei se há alguma inveja da minha parte ou se sinto sobretudo, vergonha alheia. Talvez um pouco das duas. O que posso dizer? Eu, Rafaela Gomes, sou uma rapariga bastante complicada como qualquer adolescente na minha idade e ainda estava prestes a descobrir uma alma gémea que como ia descobrir, não estava à minha espera.

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