Criação

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Coreia, Julho de 2105, Sexta-feira, 2:47 da madrugada

Algoritmos das mais diversas naturezas passavam pelo computador da Doutora Kyoung, que não desviava os olhos da tela. Estava nesse ritmo há semanas, chegava em seu laboratório de manhã e só saía de madrugada, todo o esforço começando a deixar marcas em seu corpo, as olheiras, a pele já não tão brilhante, irritação e dor de cabeça que não passava nem com o melhor remédio. Porém, a crença em seu mais novo projeto e a motivação para criar o jamais visto a motivavam a seguir em frente.

Com seus 43 anos, a mulher era um prodígio na área de robótica, eletrônica e medicina, seus inúmeros prêmios e certificados ficavam pendurados na parede, até mesmo um Nobel ela tinha ganhado. Já havia terminado todos os possíveis mestrados e doutorados a seu alcance, o que somente pessoas com o QI dela conseguiriam fazer. Era de fato uma mulher diferente, dotada de uma das mais poderosas mentes de sua geração.

E hoje usava esse conhecimento para a criação do mais novo conceito em Inteligência Artificial: estava construindo uma pessoa em corpo de fibras de carbono quase indestrutíveis. Em um período de 5 anos, calculou todas as medidas e dosagem presentes no corpo humano, de eletrólitos a hormônios, até mesmo cargas elétricas envolvidas nas transmissões sinápticas, e as colocou na carcaça que agora ficava no centro de sua sala.

Tudo fora milimetricamente pensado, as diferentes fibras que constituíam os músculos artificiais do robô, dispostas seguindo a arquitetura humana. O sangue que ela mesma criou, um líquido de cor azul clara circulava por vasos de silicone distribuídos por sua extensão, com variados calibres, desde vasos grossos a capilares, os quais convergiam em uma única bomba no lado esquerdo do tórax. Em sua cabeça, embaixo de uma carapaça do material mais resistente encontrado até o momento, estava um sistema de processamento extremamente complexo que ela mesma projetou, o qual coordenava tudo.

A doutora tinha inventado compostos sintéticos semelhantes a hormônios, que além de influenciar nos processos naturais do corpo, também ajudariam na parte mais difícil: o controle de emoções. Dosar substâncias, gerar cargas elétricas e movimento era fácil, puramente mecânico; o maior impasse seria adicionar o toque "humano", as emoções, sentimentos e a própria consciência. E era para isso que os algoritmos estavam sendo feitos, a moça tentava a qualquer custo achar um que os desencadeasse.

Estava nesse processo há meses, entretanto hoje ela se sentia diferente, naquela noite uma equação havia aparecido em seu sonho, uma que nunca tinha visto, o que a fez acordar suando com o coração a mil e vir correndo para seu escritório. Números e mais números apareciam em sua tela, tentava encontrar na equação que vira em sonho, e há 2 horas não chegava a lugar nenhum. Mais um fracasso a fez bater com força na mesa "DROGA! POR QUE EU NÃO CONSIGO ACHAR ISSO? ESTÁ TUDO AQUI", levantou de supetão da cadeira e começou a andar de um lado para o outro, as mãos se esfregando ansiosamente e a cabeça viajando a procura de respostas.

"Ugh, eu preciso descansar, preciso de um tempo..." se deu por vencida, soltando uma grande lufada de ar, os ombros caindo, deixando o cansaço de meses se abater sobre ela. Seus olhos foram automaticamente atraídos para o corpo sem vida no meio da sala, deitado em uma maquina que o mantinha funcionando já que seu "cérebro" estava inativado. Isso significava que os filtros de ar acoplados em varias partes de seu corpo funcionavam, atuando como pulmões, seu "sangue" circulava e sua bomba trabalhava calmamente. A doutora se aproximou da criação, admirando os traços femininos que ela resolveu registrar no carbono. Sabia que robôs não tem gênero nem sexo, já que não havia necessidade nem possibilidade de se reproduzirem, mas ainda assim ela resolveu atribuir tais feições a ela, dando-lhe um toque original.

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