As grandes e pequenas árvores derrubavam suas folhas, e eles seguiam os rastros de um salteador. Os dias não eram fáceis: eram apenas ele e outros dois, agora seus irmãos. O território em que estavam não apresentava grandes ameaças de outras alcateias ou inimigos, mas em mesma medida não tinha muita oferta de caça – precisavam daquela presa.
Seguiram os rastros da criatura até quando sua visão finalmente a vislumbrou – ele pôde ver que estava razoavelmente afastada de seu pequeno bando. Porém, havia uma desvantagem nesta caçada: os saltadores se encontravam numa colina de boa elevação e poderiam visualizar invasores que surgissem das árvores muito facilmente. Para contornar esta situação, a única possibilidade que ele considerava eficiente seria que cada um dos três fosse a cantos opostos por dentro da floresta, formando um triângulo de ataque, o qual tomaria frente no momento ideal. Os três podiam não ser um enorme grupo de caça, mas eram o suficiente para o que precisava ser feito, bastava que não desperdiçassem energia. Os seus aguardaram seu comando e ele o deu de forma silenciosa: um irmão contornaria o lado esquerdo, o outro manteria posição e ele iria pelo direito. Ele tomou cuidado para não pisar em locais que pudessem chamar atenção e parece que os seus também o fizeram, chegando enfim à posição de ataque. Quando chegou o momento ideal, tudo aconteceu coordenadamente: os três correram para o alvo, sem se importar com saltadores que passavam próximos – os quais corriam desesperados e sem entender direito como tudo aquilo estava acontecendo. O alvo até tentou tomar uma direção que lhe possibilitasse a fuga, mas foi em vão, os três o abateram.
Uma caçada bem sucedida, para um momento oportuno. Suas barrigas se encheriam naquela noite, em um lugar onde fome é uma companheira muito comum. Mas foi então que seus pelos se eriçaram, e todo o cenário mudou. Quatro semelhantes os surpreenderam em seu momento de relaxamento após abaterem a presa. Estavam visivelmente magros, aparentando desespero, e assim como eles, não pareciam pertencer a alcateia alguma. Eram apenas quatro errantes, mas que de longe pareciam suscetíveis a recuar. Vieram até ali para tomar aquela caça, e pareciam dispostos a morrer por isso. O líder deles tinha um bom porte e apesar de também magro ele rosnava e mostrava os dentes, olhando para cada um dos três, talvez procurando identificar qual seria o líder rival.
Ele notou que este líder o buscava. Por mais que relutasse ter de fazer aquilo agora, tomou frente e também mostrou os dentes. Seria um confronto individual, um que ele não desejava, mas como líder do seu pequeno grupo devia fazê-lo. Todos os outros, inimigos e irmãos, abriram espaço para a luta e então ele se preparou. O inimigo aparentava fraqueza pela falta de comida, mas ele mesmo estava cansado, então não podia contar com muita vantagem. Deveria ser ele a tomar a frente, porque viu que o rival não se abalava com sua força e nem pretendia fazer o movimento inicial, conservando sabiamente a energia. Pois tomou fôlego e fez o ataque focando no pescoço do adversário, mas assim que chegou bem perto deste, viu que ele conseguiu fazer uma esquiva para a lateral, seguido de um empurrão que conseguiu dar com a lateral do corpo. Isso lhe atingiu o focinho e o ao mesmo tempo fez-lhe tombar de lado, ficando desorientado por alguns segundos. Aquilo foi um misto de surpresa e pânico, pois por mais pensasse em responder de forma rápida, seu corpo não parecia lhe atender na mesma velocidade, devido ao choque que levara. Sabia que agora o rival já começara o ataque para finalizá-lo, e o tempo era curto. Pois então se concentrou naquele curto espaço de tempo e tomou sua decisão. Quando o rival chegou para lhe morder o pescoço, conseguiu saltar no último momento lhe dando a pata traseira, sendo sua vez de surpreender o adversário. Virou e conseguiu cravar os dentes no pescoço dele, não sem antes sentir o revés de ter dentes cravados em sua perna traseira. Ele pressionou mais ainda seus dentes no pescoço do rival e logo sentiu os dentes dele saindo de sua perna, quando viu que o adversário tombou no chão.
Agora era só finalizá-lo e lhe conceder a misericórdia da natureza, mas sentiu que não era isso que queria. Até então sua vida tinha sido um mar de dificuldades e tragédias com alguns poucos momentos de alegria. Queria mudar isso, e seria a partir dali. Ele largou o pescoço do rival e andou para o centro de onde todos estavam – estava mancando e sangrando, mas lutando para não demonstrar fraqueza. Aguardou o derrotado e poupado rival se levantar com muito custo e então olhou para todos. Seu espírito era determinado e exigia resposta para um questionamento: "Quem é seu líder?". Um a um, todos inclinaram seus focinhos em direção a ele, até por fim o adversário fazer o mesmo. Então ele uivou como nunca fez antes e todos os outros fizeram o mesmo: agora ele tinha uma alcateia, e era seu líder, como uma vez fora seu pai. Naquela lua ele rasgou a carne da caça, mas deixou os novos irmãos comerem primeiro, pois a força da nova matilha dependia disto.
Naquela noite dormira como em poucas vezes na vida. Sonhou com sua mãe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Jornada do Lobo
Short StoryNeste conto, acompanharemos a jornada de um lobo: do princípio das coisas, até o derradeiro momento. A vida é um constante aprendizado, e isso não é diferente a este antigo ser. Mergulhe na pele do lobo, e siga o caminho com ele, descobrindo o que o...