O Livro de Solange

Capítulo Um

O Livro de Solange

Capítulo Um

Entrei em um sebo para olhar se existia algum livro que me agradasse. Havia de tudo, livros com capa amassada, livros semi-novos e livros desinteressantes, com títulos díspares como "A História da Banana" ou "Biografia de Michael Hewverth". Aliás, quem é Michael Hewverth?

Encontrei enciclopédias mastodônticas de antes do evento "Google" e também um curioso "Almanaque dos Anos Vindouros". Hein? Vindouros?

Fuçando aqui e ali, achei algo de encher os olhos. Uma edição brasileira de "A Origem das Espécies" de Charles Darwin com capa de pano e couro pela bagatela de... Quatro mil reais. Bem, na minha situação atual, eu diria que esse valor está um pouco, ou melhor, dois poucos acima do que posso pagar, mesmo sendo os livros minha primeira paixão. Opa, não, não, minha segunda paixão. A primeira, bem, a primeira são as mulheres.

Continuei no fuça-fuça e, entre livros de romance erótico e romance de meninas puras, achei um livro de capa dura vermelha com o estranho título de "Amor e Outros Pecados". Amar é pecado?

Abri o livro e o folhei. Hum, bem interessante. Bem interessante mesmo. Um livro um tanto erótico e um tanto romântico, mas também um tanto tipo "sadomasô" leve, bem ao estilo de livros best-sellers que rodam por aí, e encantam o imaginário de muitas mulheres.

Mas não ia comprá-lo. Procurava algum mais na linha policial, suspense, terror ou ficção científica, meus preferidos. No entanto algo me chamou a atenção.

Na página inicial, estava escrito:

Para Solange, que viva intensamente cada capítulo deste livro, que dedico a você, minha companheira de todas as horas, de sua amiga Antônia. (autógrafo).

Quem seria essa Solange e porque ela venderia esse livro autografado para um sebo? Quem seria essa Antônia Veredas, uma autora desconhecida? Editora? Editora Fazendo Letras. Interessante.

Porque comprá-lo? Porque não comprá-lo? Comprei-o. Junto com um "Detalhe Final" de Harlan Coben em bom estado. Gosto do personagem Myron Bolitar.

Voltei para casa. Ou melhor, para meu apartamento nos subúrbios de São Paulo, capital. Um apartamento pequeno, sim, é verdade, mas meu. Bem mobiliado? Não, bem bagunçado? Sim. Típico de homem solteiro.

Bem, está na hora de me apresentar. Ricardo Bombelli, muito prazer.

Era noite. Fria. Bolinhos de chuva eu comia, pois chovia lá fora. Já contei que sou exímio cozinheiro? Não? Então, cozinho bem para... Bem, para mim e para as muitas mulheres que trouxe aqui.

Umas até, maldosas, chamam meu apartamento de abatedouro. Mas vou ser bem sincero. Bem sincero mesmo, viu? Procuro uma única paixão. Mas não achei ainda, mesmo do alto dos meus 25 anos.

Abri o "Amor e Outros Pecados" e logo na folha de rosto notei uma escrita peculiar no centro da página, uma caligrafia diferente da de Antônia em sua dedicatória. Seria a de Solange?

Estou tão sozinha. Meu coração aperta com a solidão. Queria estar com alguém agora, mas minhas únicas companhias são meu gato, o Miau, e este livro da minha querida amiga Antônia. Olá livro. Vou lê-lo com carinho, pois sinto a falta de sua autora e mãe. Ela morreu de forma tão estúpida! Atropelada por um bêbado filho da puta!

Hum. Solange sozinha, é? Seria uma presa em potencial? Calma, hormônios, calma. Ela deve ter escrito isso já há algum tempo, pois a tinta está esmaecida.

Continuemos a ler, pois.

Capítulo um, parágrafo um, primeira linha. "Chovia naquela noite fria...". Eita. Começar com essa frase em uma noite fria e chuvosa é um clichê tão grande que bem, deixemos as críticas de lado. Pode ser que o resto seja bom. Noite fria e chuvosa, vamos lá.

Li e achei o primeiro capítulo maçante. Melhorou no capítulo dois, ao descrever o encontro amoroso do protagonista, Adam Kosynski, como sua namorada, Bella Thompson (ainda bem que não é Eve Thompson). Porque alguns autores brasileiros têm mania de colocar nomes estrangeiros em seus personagens? Pior, o livro se passa em Nova York. Porque não em Santana do Parnaíba?

Vi nas margens mais anotações que poderiam ser de Solange.

Como seria bom conhecer alguém como Adam Kosynski. Másculo, potente, alto, forte, protetor! E sabe cozinhar! Eu aqui sozinha, querendo alguém para dividir a cama e me aquecer, e esse Adam namorando essa Bella insossa. Antônia, bem que você podia ter criado um Adam para mim. Snif, snif.

E realmente o papel estivera molhado onde Solange colocara as palavras onomatopaicas. E confirmei que as escritas originavam mesmo dela ao olhar a contra- capa do livro, que não tinha visto antes:

Este livro pertence à Solange Nogueira de Paula.

Estranho ela ter vendido este livro ao sebo, ou doado, sendo que até colocara seu nome nele. Voltei à página que estava lendo.

Antônia descrevera em detalhes o sexo feito entre Adam e Bella no final daquele capitulo e li mais anotações de Solange.

Antônia querida, está um pouco crua a cena do sexo entre os dois namorados. Sei que você está morta e não verá estas críticas, mas escreverei nessas páginas o que sinto, de forma a acalmar minha solidão e desabafar tudo que estou sofrendo.

Bem romântico. Não as palavras de Antônia, realmente "cruas", mas as de Solange, que estão me conquistando. Em uma noite pouco comum, onde fico sozinho e prefiro estar lendo a sair para uma balada, Solange e o livro "Amor e Outros Pecados" me fazem uma ótima companhia. E, confesso, quero ler mais. Não tanto pelo texto de Antônia, mais pelo que a misteriosa antiga dona do livro escreveu nos espaços em branco dessas páginas.