16. Carlos Eduardo - Mais uma tarde difícil

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Mais uma tarde difícil com a Bruna. Nada deu certo. Resolvi terminar o ensaio mais cedo. Nós estávamos tão tensos que acabaríamos nos machucando se insistíssemos nos movimentos. Foi um alívio quando nos despedimos.

O clima na academia está péssimo. As meninas da recepção ficam me pedindo desculpas o tempo inteiro. A culpa não é delas se eu tenho que aguentar uma maluca. Quase desejei que ela não saísse mais daquele banheiro.

Mulheres...

Quem se importa com uma celulite? Se é que era celulite. Para mim, Bruna Drummond é tão perfeita de corpo que fica difícil até de acreditar que ela tenha algum defeito.

Mulheres...

Boa parte da população feminina brasileira queria ter aquele corpo, mas ela se incomoda por conta de uma celulite.

Eu precisava mesmo relaxar. Com esses ensaios, apresentações em rede nacional, chiliques de artista e uma casa de show prestes a inaugurar, além do vestibular no final do ano chegando, eu estava simplesmente esgotado. Coloquei uma música para tocar e fiquei ali encostado no espelho.

Soraya me viu pelo vidro e entrou na sala. Não disse nada, apenas me ofereceu a mão. Eu aceitei o convite. Precisava de algumas certezas na minha vida caótica. Detesto caos. Detesto improviso.

Dançamos um pouco de rock, mas eu não estava no espírito. Acabamos caindo num bolero sofrido. Foi nele que desabafei meu sofrimento. Soraya não disse nada, apenas ficou comigo. Ela era delicada e leve. Tão diferente de Bruna. Tão tranquila. Tão conhecida. Tão eu mesmo. Eu precisava dela. Por isso, quando ela me abraçou, simplesmente me entreguei àquele abraço. Era muito bom ter amigos como ela. Soraya conseguia me entender com um olhar.

Tomei um susto quando ela me beijou.

No meio de um giro, ela segurou minha nuca e me deu um beijo.

Em algum lugar do passado, eu teria morrido de felicidade se uma coisa assim acontecesse. Soraya foi meu sonho de garotinho. A primeira menina por quem meu coração bateu, mas ela nunca quis nada comigo.

Agora, entretanto, era bizarro. Pensei nas tantas vezes em que ela me humilhou por não saber um passo, por não aprender tão depressa quanto os outros. Da sua risada pelos corredores. Ela sempre estava na minha frente nas turmas. Sempre era a melhor dançarina. Nem sempre era a melhor pessoa do mundo.

─ O que foi isso? – Perguntei ainda segurando os lábios sem acreditar no gosto dela na minha boca.

─ Kadu, - Ela se aproximou de mim com uma doçura que eu nunca tinha presenciado antes. Tocou meu braço. – preciso te dizer tantas coisas...

─ Pois diga. – Eu a encarava sem entender nada.

─ Eu acho que estou gostando de você.

─ Acha? Depois de tanto anos?

─ Não precisa ser tão ríspido, Kadu.

─ Soraya, me desculpa. Não quero ser grosseiro, mas beijos estragam parcerias. Você sabe tão bem disso quanto eu.

─ Estou disposta a abrir mão de você como parceiro se nós dois tivermos uma chance... – Seus olhos imploravam por respostas minhas que eu nem saberia dar. Ficamos calados nos encarando como estranhos até que encontrei coragem para falar.

─ Olha, Sora, - Tentei usar um pouco de delicadeza – você só pode estar confusa. Demorou tanto para nós nos adaptarmos um ao outro, você lembra? Não acho que nós tenhamos muita coisa em comum.

─ Não diz isso, Kadu. – Ela me puxou para um abraço. Nós tínhamos a altura compatível para a dança. Um encaixe perfeito. – Demoramos a nos entender na dança, eu sei. Mas quando conseguimos, nós fomos fantásticos. Não é mesmo? Não sei como você pode imaginar que algo assim não vá funcionar fora das pistas.

─ Eu não acho, Sora. Eu tenho certeza de que não vai funcionar.

─ Por quê?

─ Porque eu gosto de outra.

***

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora