Oi, eu sou Louis, moro com minha mãe e quatro irmãs, tenho 17 anos.
Agora são 6 horas da manhã e eu supostamente deveria estar me arrumando para ir à escola, ter um conjunto de sete aulas, fingir que aprendi e voltar para casa. Supostamente. Provavelmente eu iria fazer isso se não fosse por um detalhe, esse pequeno detalhe feito de mim que me atormenta desde os 12 anos. Começou com uma pequena leucemia, mas já que ‘o sangue irriga tudo no nosso corpo’ ele se espalhou rapidamente e agora preenche meu todo. Basicamente sou feito de câncer agora. Eu não tenho mais força para enfrentar um dia inteiro de aula ou algo assim, nem para sair de casa direito. Eu só fico esperando a morte bater a minha porta alguma hora e me levar.
Não entendo porque ela demora tanto.
Já que eu não vou para escola e muito menos sou normal, eu observo quem é.
A janela do meu quarto é exatamente em frente à janela do quarto de outro garoto. Eu acho que o nome dele é Harry, às vezes escuto a mãe dele gritar por ele, e é assim que ela o chama. Como não saio de casa, a minha janela é a única coisa que eu consigo observar, ou seja, ele é a única coisa que eu consigo ver.
Eu tinha amigos, eles vinham me ver, mas conforme o tempo passava, parece que o câncer começou a atingi-los também e eles começaram a parar de vir, eles perceberam que era inútil e cedo ou tarde eles não viriam mais porque, bem, eu iria morrer.
Então eu observava.
Eu caminhava lentamente até a janela, abria uma fresta e olhava. Ele nunca me vira ali.
Esta manhã não tinha sido diferente. Eu acordei, andei até lá, abri uma fresta e observei.
Harry andava pelo quarto recolhendo as coisas para escola, colocando a roupa, penteando o cabelo e depois ele saía do quarto para tomar café.
Eu gostava dele. Nós nunca tínhamos conversado nem nada, mas havia alguma coisa nele que me interessava, acho que o fato de nós nunca termos conversado não interferia no fato de eu conhece-lo melhor que ninguém.
Eu sabia que ele acordava de manhã, penteava o cabelo na frente do espelho, parava, olhava para sua imagem refletida e logo depois bagunçava o cabelo tudo de novo porque não estava satisfeito. Eu sabia, e acho que essa ninguém mais sabia, que ele compunha. Ele tinha musicas muito boas pelo menos as que eu ouvi. A voz dele é maravilhosa. A voz dele é rouca, grossa e especial, a voz dele me dava arrepios quando eu escutava, a voz dele era o que eu queria escutar o resto do dia.
Me lembro dele na escola, digo, já tinha o visto nos corredores cercado com seus amigos e garotas, mas aquele não parecia o Harry que eu via agora. Na escola ele não olhava para os outros ao redor, era arrogante, distribuindo sorrisos falsos para seus (falsos) amigos.
Mas o Harry que eu via pela janela não era assim. O Harry que eu via pela janela era atencioso com sua pequena irmã, conversava com sua mãe, escrevia músicas, gostava de jogar no computador, e ria como uma criança vendo TV. Esse era o Harry que só eu conhecia.
- Louis? Você já está acordado?
- Oi mãe.
- Mas você já está de pé Louis? Você tem que descansar.
- Descansar não vai fazer minha barrinha de vida voltar a ficar cheia, mãe.
- O que é que você tanto observa ai pela janela?
- Só a vida que eu não tenho, mãe.
- Você está com fome? Vamos comer.
Agora já é de noite e o Harry já chegou da escola faz tempo. Eu estava no meu quarto vendo TV e ouvi a porta sendo fechada.
“HARRY!” acho que era a mãe dele gritando.